9:16Cervejinha

por JamurJr

 

Era um homem sério, responsável, cumpridor de seus deveres e alto funcionário de uma empresa no Porto. Os conhecidos eram unânimes em afirmar que se tratava de um cidadão exemplar – e não havia motivo para duvidar da avaliação popular. Gostava de um bom bate-papo com os amigos, jogando conversa fora em torno de uma cerveja bem gelada. Bebia com gosto e em boa quantidade.

– Trás mais uma cervejinha. Bem gelada e casco escuro – sabia pedir e era exigente

O pedido se repetia várias vezes nos dias em que encontrava a turma para conversar e tomar cerveja. De tanto pedir e tomar acabou ganhando o apelido de “Cervejinha”. Quem mora no litoral do Paraná sabe que, por qualquer motivo, sem motivo, um gesto ou jeito, o cidadão esta sujeito a ganhar um apelido. Cervejinha pegou. Alguns apelidos pegam forte outros mais de leve. Cervejinha pegou forte, mas ninguém se atrevia a chamá-lo assim em público.

Não gostava: tinha receio de passar a imagem de beberrão, coisa que não era, de fato. Simplesmente gostava de uma cervejinha. Mas não era só da cervejinha que gostava tanto. Havia uma outra paixão escondida, secreta, que poucos conheciam. Seu nome era Rosa. Baixinha, bem feita de corpo, pele clara como freira de hospital, dentes muito brancos e um sorriso permanente. Cervejinha se apaixonou no primeiro dia em que a viu na Casa da Lucinda, numa noite quente, tomando cervejinha e ouvindo alguns boleros que saíam de um saxofone do conjunto que animava a Zona da Rua do Pêssego.

Era metódico e raramente saía de casa sem avisar, deixando a mulher e o filho pequeno por algumas horas, para desfrutar daquele prazer imenso que era receber carinhos de Rosa ouvindo música e tomando cerveja. Naquela noite, abriu exceção.

Ficou com Rosa até madrugada. Chegou em casa quando os primeiros raios de sol estavam anunciando o dia. Com cheiro de sabonete Eucalol, olhos vermelhos e um gosto de corrimão na boca, Cervejinha entrou sem fazer barulho, temendo ser denunciado pelo perfume barato que trazia impregnado no corpo e na roupa.

Mas não teve jeito. Foi flagrado e ouviu um discurso da mulher que não economizou na adjetivação: safado, pervertido, irresponsável. Não só ele ouviu como toda a vizinhança. Tinha certeza que não era isso tudo o que ela disse num momento de raiva, apenas gostava de uma cervejinha e da companhia de Rosa. O clima em casa ficou péssimo e sua imagem perante os vizinhos comprometida.

No dia seguinte tratou de acertar um esquema para visitar Rosa, com menos risco. Agendou suas noites de amor e pecado para toda quarta-feira. Cervejinha era conhecido, também, como homem generoso, porém exigente. Gratificava sua Rosa como se fosse um príncipe árabe. Em troca de sua generosidade, apresentou uma relação de exigências que deveriam ser atendidas.

– Olha, Rosa, não me importo com os gastos, mas quero tudo de primeira. Você já é de primeira, você sabe. Mas, tem outras coisas.

Pediu lençóis brancos e engomados e sabonete sem uso. Rosa, nesse dia, não poderia ficar com nenhum homem, antes da estar com ele. Precisava surgir com certo ar de pureza. Nada de danças no salão. Queria estar com Rosa na intimidade de seu pequeno quarto, onde se destacava uma penteadeira cheia de bibelôs, potinhos de pó de arroz Lady, um rolo de papel higiênico, jarra de ágata e uma bacia que servia como bidê.

Antes das primeiras caricias, um momento de descontração, com alguma conversa e uma cervejinha. Depois, já satisfeito com o encontro, enquanto se preparava para sair, outra cervejinha. Era o único cliente de Rosa que exigia tantas providências e uma cervejinha antes e outra cervejinha depois.

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Uma ideia sobre “Cervejinha

  1. Ivan Schmidt

    Parabéns Jamur! Sua crônica (ou seria conto?), mostra um estilo semelhante ao do grande Dalton Trevisan… os potinhos de pó de arroz Lady de sua narrativa se parecem às broinhas de fubá mimoso do
    Vampiro…
    Taí um desafio! A história do Cervejinha, ao lado de outras de não menos votados personagens parnanguaras daria um excelente tratado sobre o comportamento dos habitantes da mais antiga das cidades paranaenses…

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