8:51Esse menino

A pergunta não é qual o futuro. A pergunta é qual o passado. Esse menino nasceu pouco antes do tiro no peito de Getúlio e do tiro no pé de Lacerda – e aí pegou de enfiada Juscelino, Janio bêbado, Jango ingênuo, cinco generais ditadores, Tancredo que não foi, Sarney que se apossou de um Maranhão maior, Collor impichado, Lula que não viu e Dilma que fala grosso. Esse menino olha os meninos de agora e vê a santa inocência dos mais novos, a ignorância que vai tomando conta, maquiada por maquininhas com telas, o aumento do fosso entre os que têm escola a custo milionário e os que são confinados no gueto da indigência e que nem percebem por que é preciso mantê-los assim, para que não encham o saco dos bem nascidos. Esse menino olha para o espetáculo cada vez mais degradante dos que se arvoram de representantes do povo e não consegue enxergar nada, apenas a falta do mínimo de decência, coerência, honestidade – e uma ganância pelo poder de estar próximo da possibilidade de, numa troca de salivas, abrir as portas do grande tesouro das notas manchadas de suor e sangue de quem não consegue ver, saber de nada, apenas contribuir para a máquina de moer gente. Esse menino vê profissionais pagos com dinheiro sujo para maquiar a ilusão dos desvalidos com imagens de dentes perfeitos, paisagens lindas e limpas, vozes suaves de predestinados, na mensagem que bate feito martelo enfiando prego na cabeça e diz que tudo está bem e vai melhorar, que todos um dia poderão comer filé mignon ou ser tratados como aqueles cachorros de madame que frequentam divã de terapeutas. Esse menino sabe que o osso roído é o que sobra e é preciso se contentar – porque em todo gabinete de poderoso deste país há um crucifixo com um Jesus Cristo incompreendido. Esse menino sabe também que é exatamente por tudo isso que há de se ter esperança, apesar de concordar na inviabilidade deste ser humano que destrói a própria casa, ou seja, o planeta Terra. É preciso acreditar que há isso por trás da angústia, escreveu certa vez um poeta – e ele, infelizmente, não aguentou o tranco e morreu afogado em álcool. O acrobata pediu desculpas e caiu, mas deixou a lição para esse menino que olha todas as crianças e vê como são iguais, apesar das diferenças de onde vivem. Esse menino acredita que é por causa dessa força inocente, possível de ver no brilho dos olhos delas, que é possível mudar, principalmente por aqueles que crescem e continuam sempre como esse menino.

Compartilhe

3 ideias sobre “Esse menino

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.