21:00A epidemia da falta de conhecimento

por Diogo Busse

 

Vivemos um momento único no que se refere à Política Sobre Drogas Nacional. No dia 19 de setembro, foi divulgada a mais ampla e precisa pesquisa já desenvolvida sobre o perfil dos usuários de crack no Brasil. O estudo veio sanar a maior carência da contemporânea discussão e formulação de políticas públicas sobre drogas: a falta de dados e de estatísticas embasadas em metodologias científicas sérias e confiáveis. A pesquisa foi desenvolvida pela Fiocruz, com uma metodologia inédita no país, elaborada por pesquisadores da Universidade de Princeton, nos EUA.

A grande maioria dos usuários de crack do país (80%) deseja receber tratamento. O tempo médio de uso é de oito anos e, contrariando o senso comum, a região de maior prevalência não é o Sudeste, onde as “cracolândias” impressionam, mas o Nordeste, onde o uso é pulverizado e a desigualdade social é mais evidente.

Isso quer dizer que políticas públicas baseadas em internação involuntária são desnecessárias e que os usuários de crack não morrem em dois ou três anos, como se imaginava. Por isso, é preciso focar em ações de redução de danos que procurem humanizar o cuidado com essa população em extrema vulnerabilidade, integrando-a na rede de serviços mais básicos da administração pública. É possível inferir também que os problemas relacionados ao uso do crack são complexos e estão presentes muito antes de o uso ter iniciado.

Dois cientistas contemporâneos, o especialista britânico no uso de drogas David Nutt e o pesquisador da Universidade de Columbia (em Nova York) Carl Hart realizaram pesquisas que apontaram, como fator principal para o uso do crack, questões ambientais. Em um recente artigo publicado no The New York Times, Nutt afirmou que “a dependência possui um elemento social que é amplificado por sociedades com poucas oportunidades de trabalho e de satisfação pessoal”. Sabendo disso, por que ainda insistimos em políticas públicas focadas na eliminação das drogas? Carl Hart atribui este falido foco de enfrentamento à conveniência: “é muito mais fácil para os políticos e jornalistas se concentrarem nos malefícios da droga do que lidar com os problemas sociais por trás do uso”.

Infelizmente, é exatamente esse o conveniente tom do debate que presenciamos atualmente no Congresso Nacional brasileiro, onde tramita um projeto de lei que vai na contramão da pesquisa divulgada pela Senad e das mais recentes discussões na comunidade científica internacional. No dia 10 de setembro, foi realizada uma audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal para instruir o Projeto de Lei da Câmara (PLC 37/2013) que dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.

Na oportunidade que teve de se pronunciar, o deputado autor do projeto, Osmar Terra, lançou o seguinte questionamento: “como se diminui uma epidemia?” Para o parlamentar, a resposta é “retirar o vírus de circulação”. Esta afirmação é chocante. O vírus a ser eliminado seria a droga ou o usuário de drogas? De qualquer maneira, tanto uma quanto a outra forma de se encarar o problema é evidentemente equivocada. O projeto em discussão mantém a criminalização do usuário de drogas, prevê aumento da pena para traficantes, sem diferenciá-los dos usuários, e institui a internação involuntária de dependentes como prática básica.

É preciso se levantar contra essa falsa ideia de que a arena adequada onde se deve tratar o tema das drogas é o direito criminal, porque todos estão pagando esse custo. Além de ser muito mais caro para o Estado, estamos formando criminosos que, antes de serem estigmatizados quando encaminhados ao sistema prisional, eram seres humanos que resolveram fazer uso de alguma substância por infinitas e imprevisíveis razões, que não dizem respeito ao direito penal.

*Diogo Busse, advogado e mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR, é diretor de política sobre drogas da Prefeitura de Curitiba e presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas (Comped).

*Publicado no jornal Gazeta do Povo

 

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