6:16Velho também pensa e tem o que dizer

por Célio Heitor Guimarães

 

É possível que o distraído leitor não tenha sabido, mas nessa terça-feira, 1º de outubro, comemorou-se o Dia do Idoso. Até 2006, a data era celebrada em 27 de setembro, mas com o advento do Estatuto do Idoso em 1º de outubro, o dia dos velhinhos mudou para essa data. Agora, o “comemorou-se” dito acima é apenas maneira de dizer, porque comemoração, se houve, foi insignificante.

 

E isso porque velho é quase sempre um estorvo, “enxada velha”, na definição do meu querido Rubem Alves – que completou 80 anos em 15 de setembro último e a quem dedico esta crônica, com imenso carinho –, ferramenta que, depois de haver sido usada a vida toda, é largada num canto qualquer da casa, como inútil, que apenas ocupa espaço.

 

Pois, como Rubem, também estou envelhecendo. E isto, para surpresa de muita gente, causa-me alegria. Uma sensação de vida vivida, de aprendizado sem preço, de missão praticamente cumprida, de histórias para contar, de experiência para repartir. Não tivesse envelhecido, não teria bagagem armazenada, não teria a presença e o carinho de netos nem a coragem necessária para fazer coisas de faço e dizer coisas que digo.

 

É ainda de Rubem a descoberta de que há coisas que só se faz ou se diz quando se envelhece. E cita Nietzsche, que ele tanto ama: “Mesmo o mais corajoso entre nós só realmente tem coragem para aquilo que realmente conhece”. E também Albert Camus, leitor de Nietzsche: “Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos”.

 

Sabe o amável leitor por quê? Porque, como também ensina o sábio Rubem Alves, “a velhice é o tempo da verdade da alma”.

 

Por isso, os jovens precisam aprender a respeitar os velhos. Não apenas porque sem os velhos eles, os moços, simplesmente não existiriam, mas porque, embora isso possa ser surpresa para os jovens, os velhos continuam pensando, têm as suas próprias convicções e sabem perfeitamente expressá- las se houver alguém que tenha a paciência de ouvi-las.

 

Foi exatamente isso que fez dona Ruth Moreira, 84 anos, em desabafo publicado no jornal O Estado de S. Paulo. Veja se há reparos a fazer:

 

“Estou com vergonha do Brasil. Vergonha do governo, com esse impatriótico,antidemocrático e antirrepublicano projeto de poder. Vergonha do Congresso rampeiro que temos, das Câmaras que dão com uma mão para nos surrupiar com a outra, políticos vendidos a quem dá mais. Pensar no bem do país é ser trouxa. Vergonha do dilapidar de nossas grandes empresas estatais, Petrobrás, Eletrobrás e outras, patrimônio de todos os brasileiros, que agora estão a serviço de uma causa só, o poder. Vergonha de juízes vendidos. Vergonha de mensalões, mensalinhos, mensaleiros. Vergonha de termos quase 40 ministros e outro tanto de partidos a mamar nas tetas da viúva, enquanto brasileiros morrem em enchentes, perdendo casa e familiares por desídia de políticos, se não desonestos, então incompetentes para o cargo. Vergonha de ver a presidente de um país pobre ir mostrar na Europa uma riqueza que não temos (onde está a nossa guerrilheira, era tudo fantasia?). Vergonha da violência que impera e de ver uma turista estuprada durante seis horas por delinquentes fichados e à solta fazendo barbaridades, envergonhando-nos perante o mundo. Vergonha por pagarmos tantos impostos e nada recebermos em troca – nem estradas, nem portos, nem saúde, nem segurança, nem escolas que ensinem para valer, nem creches para atender a população que forçosamente tem de ir à luta. Vergonha de todos esses desmandos que nos trouxeram de volta a famigerada inflação.

 

“Agora pergunto: onde estão os homens de bem deste país? Onde estão osque querem lutar por um Brasil melhor? Por que tantos estão calados? Tenho 84 anos e escrevo à espera de um despertar que não se concretiza. Até quando isso vai continuar? Até quando veremos essas nulidades que aí estãosendo eleitas e reeleitas? Estou com muita vergonha do Brasil”.

 

Dona Ruth Moreira sabe o que está dizendo. E tem autoridade para dizê-lo, pois envelheceu com dignidade. Do alto dos seus 84 anos, lúcida e ativa, deu toda uma vida ao Brasil. Como tantos outros velhinhos e velhinhas hoje largados detrás das portas, construiu esta Nação. Agora, olha a planície brasileira e sente vergonha. Devíamos todos nós tê-la também e fazer eco à desesperada pergunta da notável cidadã: onde estão os homens de bem deste país?

No poder certamente não estão.

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3 ideias sobre “Velho também pensa e tem o que dizer

  1. antonio carlos

    Tudo o que está escrito e que li está correto, mas ontem vi uma reportagem na televisão que prova o contrario, uma idosa reclamando de que não lhe cedem o banco no ônibus. Vi esta cena mais de uma vez, é realmente vergonhosa, mas também vi outra cena, não menos vergonhosa, vovós cedendo os seus lugares para netinhos e netinhas. Aí como ensinar as pessoas a cederem os seus lugares para vovós como esta? E isto não é exceção não, é quase regra. O exemplo, como ensina a minha mãe, arrasta.

  2. Célio Heitor Guimarães

    Onde se lê “segunda-feira, dia 1º”, leia-se, por favor, “terça-feira, dia 1º”. Foi o sagaz Antônio Dílson Pereira, membro do Clube dos 15, que apontou o cochilo do velhinho.

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