15:56Ave Telmo, os que ficam te saúdam

por Ivan Schmidt

 

Coordenado pelo publicitário e amigo Washington Olivetto, que também sugeriu o título, o livro Serpente encantadora (Planeta, SP, 2004) foi e continuará sendo uma belíssima e justa homenagem ao escritor e jornalista Telmo Martino, que morreu no início da semana passada no Rio de Janeiro, onde morava, aos 82 anos. Ainda bem que o livro saiu enquanto ele estava vivo para degustar a gentileza de seus admiradores e, a deliciosa fruição posterior das colunas publicadas no Jornal da Tarde nas décadas de 70 e 80, que esse escriba frequentava com a devoção de um cruzado.

Martino viveu em Paris e Londres por muitos anos e lá reencontrou os amigos do peito dos áureos tempos de Copacabana, Paulo Francis e Ivan Lessa, a lado de quem formaria o trio de ouro do jornalismo brasileiro (não raro de futilidades), a meu ver, o melhor que se fazia na época em que a qualidade do texto era a diferença garimpada, com verdadeira volúpia, pelos antigos redatores-chefes das publicações que realmente ofereciam biscoito fino.

Só agora, lendo os necrológios publicados pelos jornais, soube que durante anos, ao voltar da Europa, Martino passou a publicar uma coluna de mexericos e gozações na Última Hora do Rio, usando o pseudônimo Daniel Más. Foi exatamente nessa fase que o editor principal do JT, o mineiro Murilo Felisberto, tomou a iniciativa de convidá-lo para reforçar o time que já contava, entre outros, com Sábato Magaldi, na crítica teatral, Léo Gilson Ribeiro, na literatura e mesmo o Percival de Souza, na brilhantíssima crônica policial, além das memoráveis reportagens assinadas for Fernando Moraes (o primeiro repórter a chegar ao Araguaia) e Vital Bataglia, autor de sensacionais coberturas esportivas.

Não é à toa que o vespertino publicado pela família Mesquita foi durante um longo período o jornal mais moderno e completo do Brasil, competindo, às vezes, com o próprio irmão mais velho, o Estadão. Aliás, competição bastante sadia inclusive com os outros grandes jornais, que rechearam seus cadernos culturais com colaboradores do porte de Plínio Marcos e Tarso de Castro (Folha de S. Paulo), Ian Michalski, Edi Fraga e Zózimo Barroso do Amaral (JB e, depois n’O Globo) e, um pouco antes Carlos Drummond de Andrade e Carlos Heitor Cony (Correio da Manhã), todos seguindo a estupenda escola inaugurada pela revista Manchete, que na mesma edição brindava os leitores com as crônicas de Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Henrique Pongetty. Um verdadeiro Butantã!

Pois bem. É tempo de voltar a Telmo Martino, a quem adequadamente Olivetto apodou de serpente (será o caso de acrescentar?), pela adorável peçonha destilada em cada linha do que escrevia e o JT publicava as terças, quintas e sábados. O livro-homenagem tem 332 páginas das quais pincei aleatoriamente as pérolas, que a seguir ofereço aos meus escassos leitores, sem o cuidado de colocá-las entre aspas.

Muito antes de Caetano Veloso ter mostrado as pernas no palco, ao usar um “knickerbocker”, alguns já tinham notado em voz alta, que os pés que suas sandálias não calçavam eram, afinal, de barro. Carlinhos Vergueiro, entre as muitas fotografias de suas entrevistas, já tinha mencionado o material pobre desse acabamento. Mas ninguém fez tanto alarde desse detalhe como o cantor-compositor Fagner, passageiro clandestino da jangada que todos pensavam, certos e felizes, que tinha voltado só.

Os homens são discretos. As mulheres é que contam tudo.

Quando o silêncio em torno de Silvio Caldas começa a se confundir com o esquecimento, ele anuncia mais uma despedida da vida artística. Volta sempre, embora cada vez mais como documento do que como cantor.

Os sempre lembrados Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre e Jorge Amado foram, outra vez, os sempre esquecidos. Ao contrário das páginas literárias dos jornais brasileiros, a Academia Sueca não se lembrou deles na hora de escolher o merecedor do Prêmio Nobel de Literatura deste ano. Lembrou-se do poeta italiano Eugenio Montale, que há 20 anos não publica um livro novo de poesias.

Abrir romance ou livro de contos de escritor brasileiro é repetir uma experiência que deveria ser apenas dos fiscais alfandegários dos aeroportos. Cada livro é igual a cada mala. Todos estão repletos de bugigangas compradas no exterior. Qualquer leitor de leituras viajadas já notou e comentou o fenômeno. Clarice Lispector acaba de fazer o mesmo. Disse até que está ficando enjoada de tanta influência estrangeira. Principalmente porque a influência já está podendo ser chamada de plágio.

Vera Fischer, uma atriz em dúvida, e Perry Sales, uma dúvida de ator, vão a Cannes tentar fazer o que nem o Cine Ipiranga conseguiu: vender o filme “Intimidade”.

Ernest Hemingway gostava de dizer que, numa novela, conto ou romance, o eliminado era tão importante quanto o incluído. Eliminou tanto que o conjunto de sua obra não chega a fazer o mesmo número de páginas de “Guerra e Paz”, o livro onde tudo foi incluído. Agora o número de páginas escritas sobre Ernest Hemingway já ultrapassou a quantidade que ele deixou publicada.

Tarso de Castro é um jornalista de muitos e grandes talentos. Inventou publicações de sucesso tão grande que modificaram o vocabulário das pessoas que falam e o estilo das pessoas que escrevem. Tarso de Castro lançou também publicações cujo insucesso só pode ser explicado pela preguiça que as pessoas têm de aceitar imediatamente mais de uma novidade. Tarso de Castro e seus muitos e grandes talentos estão escrevendo, agora, em um jornal da cidade, uma coluna em que os críticos são criticados. A criação dessa coluna vai obrigar muita gente a uma nova especialização. É muito possível que os outros jornais acrescentem às colunas de crítica de teatro, cinema, livros, artes e tevê uma coluna que critique apenas Tarso de Castro. Afinal de contas, ninguém quer ceder a ninguém a última palavra.

Nelson Pereira dos Santos transformou-se na Silvia Kowarick dos festivais de cinema. É convidado para todos. Irá ao de Figueira da Foz, em Portugal e irá aos de Nova York e Chicago, nos Estados Unidos. A diferença é que Silvia Kowarick faz questão de uma roupa diferente para cada festa, enquanto que Nelson Pereira dos Santos não se preocupa em trocar de filme. Vai sempre com o mesmo Tenda dos Milagres.

Há muito tempo que uma notícia não merece ser chamada de alvissareira com tanta propriedade. Juca Chaves pretende fixar residência nos Estados Unidos. Já está tomando todas as providências para conseguir um visto permanente. O problema é que o pessoal de Nova York está sempre tentando vender a ponte de Brooklin para os forasteiros vindos dos países subdesenvolvidos. Por isso, há a terrível possibilidade de ele voltar logo para cá, sempre com o mesmo show, pedindo que o ajudem a pagar a ponte que ele comprou.

Jane Austen nasceu em 1775. Até hoje não surgiu mulher mais moderna.

Compartilhe

2 ideias sobre “Ave Telmo, os que ficam te saúdam

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.