7:56Estudiosos dos quadrinhos. Está faltando gente aí!

por Célio Heitor Guimarães

 

Entre os livros com lançamentos marcados por ocasião das 2ªs Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, que acontecem nesta semana na Escola de Comunicação e Arte (ECA), da Universidade de São Paulo, consta Os pioneiros no estudo de quadrinhos no Brasil (Editora Criativo). Organizada por Waldomiro Vergueiro, Paulo Ramos e Nobu Chinen, a publicação focaliza a história de seis professores que enfrentaram preconceitos na própria USP, durante os anos 70, ao se dedicarem ao estudo das histórias em quadrinhos. Por ordem alfabética, são: Álvaro de Moya, Antônio Luiz Gagnin, José Marques de Melo, Moacy Cirne, Sônia Mibe Luyten e o próprio Waldomiro Vergueiro.

 

É um time de respeito, com destacada presença no mundo teórico das HQs. Sobretudo de Moya, oficialmente jornalista, professor de comunicação, escritor, diretor e produtor de televisão e cinema, mas um obstinado cultor da arte quadrinizada. Foi um dos organizadores da Primeira Exposição Internacional de Quadrinhos realizada no Brasil, em São Paulo, em 1951, e foi o pioneiro no estudo dos quadrinhos entre nós, como manifestação de cultura popular, tendo coordenado a edição e escrito o primeiro livro sobre o tema publicado no país: Shazam! (Editora Perspectiva, São Paulo, 1970).

 

Os demais “pioneiros” são (ou foram) professores de comunicação social e valorizaram as histórias em quadrinhos, mas enveredaram por caminho um tanto sombrio e sem nenhum encanto para os velhos leitores de gibis – o do estudo da semiologia e da estrutura narrativa das historietas. E aí ganha realce Moacy Cirne, que, também em 1970, publicou Bum! – A explosão criativa dos quadrinhos, tendo por tema a linguagem e importância social e estética das HQs, vislumbrando-lhes aspectos ideológicos e econômicos, além de culturais. Quer dizer: complicou a leitura dos gibis, tornando-a chata porque repleta de tecnicidade e efeitos subliminares. Ora, quadrinho é (ou era), na essência, diversão descomprometida e manifestação de arte popular. Fora disso, acabou.

 

Além do que, o livro é parcial e contaminado pela omissão. Uma injusta e inadmissível omissão. Como falar em pioneirismo no estudo dos quadrinhos no Brasil sem mencionar Sérgio Augusto, Ruy Castro e Francisco Araújo, para ficar apenas nos mais importantes pioneiros na área?

 

Foi com Sérgio Augusto que tudo começou. Carioca de Santa Tereza, jornalista e escritor, ele teve a audácia de criar, assinar e manter por bom tempo a primeira coluna sobre HQ da imprensa brasileira. No Jornal do Brasil, na segunda metade dos anos 60. Depois, foi a vez de Ruy Castro, hoje renomado escritor, autor de biografias, como as de Garrincha, Nelson Rodrigues e Carmen Miranda. Ruy atuou no Correio da Manhã, no Jornal do Brasil e na Folha de S.Paulo, assinando textos sobre quadrinhos.

 

Já o prof. Francisco Araújo é um capítulo à parte na história das histórias em quadrinhos no Brasil. O bom gaúcho, formado em Letras Clássicas, foi quem transformou os comics em matéria acadêmica e seu primeiro professor, em curso de nível superior, na Universidade de Brasília, no ano de 1970. Em Luca, na Itália, durante o 6º Salão Internacional sobre Histórias em Quadrinhos, no mesmo ano de 1970, foi cognominado “o primeiro quadrinhólogo universitário do mundo”. De Brasília, Araújo passou uma temporada na Editora Abril, em São Paulo, mas acabou voltando para o seu Rio Grande do Sul, onde integrou o corpo docente da Universidade do Vale dos Sinos, em São Leopoldo, na Grande Porto Alegre. Em dezembro de 2012, aos 76 anos, já aposentado, foi homenageado por seus alunos durante as comemorações dos 40 anos dos cursos de comunicação social ma Unissinos. É uma Extraordinária figura.

 

Agora, puxemos a sardinha para nossa brasa e coloquemos a coisa no devido lugar: Curitiba se sobrepõe – e como! – nessa história de pioneirismo no estudo das histórias em quadrinhos. Foi aqui que nasceu – por iniciativa do arquiteto e quadrinhólogo Key Imaguire Jr., e aprovação do então prefeito Jaime Lerner – a primeira Gibiteca do Brasil, em 1982; e foi aqui que, sob o comando do jornalista Aramis Millarch, com integral apoio do editor Mussa José Assis, que surgiu no final dos anos 60 e foi mantida anos a fio, no jornal O Estado do Paraná, uma página inteira dominical dedicada ao estudo e difusão das HQs. Os textos eram assinados pelos loucos por gibis da terra, entre os quais tive a honra de figurar. Os demais eram, além do próprio Aramis, Denisar Zanello Miranda, Francisco Camargo e Manoel Carlos Karam, entre outros.

 

Em 1973, Aramis, então na Fundação Cultural de Curitiba, resolveu trazer para Curitiba a Exposição Internacional das Histórias em Quadrinhos, montada em São Paulo por de Moya, Jayme Cortez e Miguel Penteado. A Oportunidade serviu para que fosse editado, pelos acima nomeados quadrinheiros locais, com o valioso reforço de Valêncio Xavier, o livreto Gibi é coisa séria!, edição Paiol, patrocinada pelo editor Luiz Renato Ribas, com diagramação de Dante Mendonça, hoje imortal da Academia Paranaense de Letras. Três exemplares da modesta publicação foram enviados, a pedido, à Biblioteca do Congresso do EUA. Tem registro, também, na Biblioteca dos Quadrinhos – Guia obrigatório da arte sequencial no Brasil, de Gonçalo Júnior (Opera Graphica Editora, 2006).

 

Quer dizer: esse negócio de pioneirismo é sempre complicado. E exige que se olhe além do próprio umbigo. De Moya, Gagnin, Marques de Melo, Cirne, Sônia e Vergueiro tiveram importância no estudo das HQs. Mas não foram os únicos.

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