7:11O contorcionismo do Velho do Restelo

por Ivan Schmidt

 

O deputado Rui Falcão, presidente nacional do PT, esteve no Roda Viva da TV Cultura (SP), retransmitido aqui pela E-Paraná, na última segunda-feira (15). O programa é mediado pelo experiente jornalista Mário Sérgio Conti, que é também repórter da revista mensal Piauí. Quando o entrevistado é da área política, os convidados são escolhidos obviamente em editorias específicas da grande mídia.

Falcão passou maus bocados nas quase duas horas de programa, embora não tenha deixado pergunta sem resposta, mesmo procurando sair pela tangente da maioria das sinucas de bico armadas pela solércia das competentes perguntadoras da Folha de S. Paulo e Valor Econômico.

Se algum mérito deve ser creditado ao presidente do PT, este se deveu em grande parte não ao teor de convencimento de suas respostas e argumentos, mas à impenetrável carapaça usada para encobrir (ou mostrar apenas uma nesga) a situação desconfortável vivida atualmente pelo governo Dilma Rousseff. Um dado, afinal, que está longe de ser mero despeito de quem faz questão de torcer contra.

Está aí sem que até agora o governo fosse capaz de emitir uma posição clara, a estocada no nervo exposto desferida por jovem integrante do Movimento Passe Livre (MPL), recebido pela presidente da República, que ao sair da sala revelou aos jornalistas sua estupefação ante o “despreparo” da doutora Dilma.

Poucos dias depois veio a estrepitosa vaia dos prefeitos (parte deles, é verdade) que foram a Brasília entoar o madrigal do “quero mais”. Aliás, vaia é o que parece não faltar a Dilma, que havia sido apupada no jogo de abertura da Copa das Confederações, posto que tivesse a seu lado a figura assaz intragável do presidente da Fifa, Josef Blatter. A repetição desse momento constrangedor foi espertamente evitada pelo marketing com o cancelamento da ida ao Maracanã – com mandava o protocolo – para a finalíssima entre Brasil e Espanha.

Falcão falou com otimismo bem ensaiado, mas num tom de voz que em primeiro lugar disfarçava a tentativa de convencer a si próprio do contorcionismo mental utilizado para verbalizar que a economia vai bem, mantendo-se os índices de emprego e consumo das famílias e coisas do tipo. A impressão passada aos telespectadores é que o presidente do PT não tivera tempo de passar os olhos pelos jornais da manhã, que diziam exatamente o contrário. Coisas da mídia derrotista e infame, diriam esbirros de plantão, prolongando o mantra de setores do lulopetismo que só dormirão o sono dos justos quando conseguirem implantar no Brasil o aleijão batizado de controle social da comunicação.

Reticente, quase murmurando, procurou contornar com evasivas o encontro de Dilma com um grupo de cantoras e pastoras evangélicas, levadas ao Planalto pelo bispo-senador Marcelo Crivella, não por acaso ocupante do aquífero cargo de ministro da Pesca. Não teria sido mais consentâneo com a atividade pesqueira do bispo, que dizem não saber a diferença entre uma sardinha e um bagre, fazer-se acompanhar de um grupo de profissionais das redes, tarrafas e anzois?

Na contramão das decisões tomadas no âmbito do Congresso Nacional quanto à reforma política e o sepultamento da tese do plebiscito e da Constituinte exclusiva para aprovar a nova sistemática eleitoral com validade para a eleição de 2014, aí sim, reinterpretando o componente ranzinza do Velho do Restelo,  Falcão desviou o assunto e declarou acreditar que a sugestão do governo ainda é praticável e que o PT, em posição reversa ao que o Congresso já decidiu, vai coletar assinaturas para colocar de pé o decreto-legislativo da reforma.

Só não explicou as razões que levaram o partido no poder há 10 anos e meio a usar todos os impedimentos regimentais para sustar a tramitação normal do projeto de reforma política de autoria de um deputado de sua própria bancada, o gaúcho Henrique Fontana, que por ele lutou durante todo esse tempo. Não por acaso, pouco antes do recesso o autor da principal proposta de reforma política foi caroneado pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), escolhido por decisão monocrática de Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara, para coordenar a comissão especial que tratará do assunto em agosto.

Comenta-se que a preterição de Fontana tem origem no fato de que sua proposta bate de frente com os interesses políticos do PMDB, que tenciona introduzir na reforma o corte à reeleição.

Uma conclusão se impõe. Caso o PT e seus operadores tivessem real interesse na aprovação da matéria, as mil e uma sugestões sobre reforma política em curso no Congresso teriam legado ao País um dos sistemas mais perfeitos do globo para escolher pelo sufrágio universal os titulares de cargos eletivos em todos os níveis. Um balanço da torrente de nuanças reformistas em exame no Congresso levou o deputado Rubens Bueno (PPS-PR) a ironizar que “há reforma para todos os gostos e preferências, assim como cada brasileiro tem na cabeça a seleção ideal”.

É válido lembrar que a mesmíssima leniência farisaica do PT foi cultivada também no octaedro do presidente Fernando Henrique Cardoso (lembram-se da expressão popularizada por Delfim Netto?). FHC pleiteou e conseguiu a aprovação, usando meios pouco ortodoxos, do instituto da reeleição e, somente por esse motivo teria autoridade moral suficiente para no segundo mandato galvanizar o Congresso para a feitura da reforma constitucional. Mas o tempo passou e Carolina não viu.

Sobre a eleição de 2014 e os problemas que se avolumam em torno da persona política de Dilma, a maioria atraída pela própria, Falcão espanou embora sem convicção a cavilação do “volta Lula”, afirmando que “ninguém do PT está pensando nisso”, mesmo diante da onda de evidências que mostram cristalinamente a tendência manifesta em setores influentes do partido, entre os quais é cada vez mais forte a convicção de que Dilma foi uma má escolha de Lula. O presidente do partido lembrou que a candidata à reeleição é Dilma, dando a entender que o governador pernambucano Eduardo Campos, nome apresentado aos eleitores em todas as pesquisas eleitorais “sequer admitiu ser candidato e se for será de oposição”.

Foi extremamente sincero, há que reconhecer, beirando o patético, no entanto, ao apelar à permanência do neto de Miguel Arraes na coligação de apoio à reeleição de Dilma. Conti conjeturou se isso significava algum obstáculo à manutenção da candidatura de Michel Temer a vice-presidente, ao que Falcão respondeu com um muxoxo: “O nome é Temer”.

Uma entrevistadora quis saber quem paga os serviços de João Santana, o encarregado do marketing da presidente da República. O único dado copiado da resposta de Falcão é que o “PT remunera o marqueteiro pelos programas produzidos para o horário eleitoral”. Tudo o mais que ele produz para Dilma Rousseff, lorpas e pascácios estão livres para depreender que é espetado na conta do Abreu!

Ainda sobre Santana, o petista afiançou tratar-se de jornalista e marqueteiro de alto nível, além de especialista em redes sociais. Só não se deu conta que tal competência esfumou-se na recentíssima mobilização de milhões de jovens através das redes sociais, sem que o clarividente tenha notado quaisquer desvios de padrão. E no quesito popularidade de Dilma arriscou-se a queimar a língua ao dizer que a queda é momentânea “e será revertida já na pesquisa de amanhã da CNT”.

Falcão pareceu mais um daqueles profetas da antiguidade judaica subornados pelo rei a somente revelar coisas boas sobre a condução do reino. Imagino que foi dormir com a consciência tranqüila, mas ao despertar na manhã seguinte deve ter plasmado a impressão que seu pretenso dom de prever o futuro está comprometido. A continuar nesse ritmo de previsão, nas próximas pesquisas a popularidade da presidente poderá descer a menos de zero.

A entrevista foi na noite de segunda e na terça-feira (16) saíram os números da pesquisa, confirmando a queda da aceitação de Dilma que há um mês contabilizava 54,2% de ótimo/bom, vendo o percentual anterior despencar para os atuais 31,3%. Se a eleição presidencial fosse hoje ela não teria como evitar o segundo turno, pois seu potencial de voto é de 33,6%, somando os oponentes (Marina, Aécio e Arraes) perturbadores 43,3%.

No final do programa, enquanto subiam os créditos a câmera inflexível pousava sobre um homem cansado e deprimido pelo papel desprezível que lhe restou.

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