15:49Muito fermento e pouca farinha

por Ivan Schmidt

 

A “reforma ministerial” da presidente Dilma Rousseff, cozinhada a fogo baixo pelo Palácio do Planalto, segundo um auxiliar próximo da cúpula, “caso fosse uma gravidez teria entrado no nono mês”, revelam os jornalistas Mauro Zanatta e Maíra Magro no Valor Econômico do final de semana.

Os campos minados da administração da doutora Dilma são exatamente a economia e articulação política com o Congresso, despontando os ministros Guido Mantega, Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti entre os que devem perder os cargos de um momento para outro. Os analistas acrescentam ainda o retorno do ministro Paulo Bernardo, atual das Comunicações para o Planejamento, no lugar de Miriam Belchior.

As preocupações últimas da presidente com a arrumação do governo, a princípio, estão focadas na necessidade de dar respostas concretas ao clamor das ruas, mas não conseguem encobrir a frustração generalizada da população com o anêmico desempenho da administração federal. Dentre as ações mais relevantes da presidente da República nos últimos dias destacou-se a entrega de tratores a prefeitos do interior da Bahia.

O dado curioso é que o Planalto praticamente desconheceu a queda fragorosa da popularidade da presidente e a avaliação do governo, hoje comparadas aos piores momentos vividos pelo então presidente Fernando Collor que sofreu o impeachment. Ora, é raciocínio elementar, como diria Sherlock Holmes, que os percentuais estratosféricos da popularidade da presidente revelados nas pesquisas anteriores eram, na verdade, absurdamente voláteis e ilusórios demonstrando apreciação que em hipótese alguma retratava conhecimento veraz sobre o desempenho do governo.

Muito embora as manifestações populares tenham revelado (essa é uma verdade incontestável), o lado até então em repouso da opinião popular mostrando a extensão de profundo desagrado com o estado das artes na política e na gestão pública, é impossível acreditar que o invólucro do marketing pessoal da presidente fosse tão frágil a ponto de ser rasgado impiedosamente.

Esse é um indicador eficaz para tirar quaisquer dúvidas quanto a ruindade do governo, edulcorada por cinematográficas campanhas publicitárias, mas finalmente enquadrada pela realidade fria dos números apurados pelas pesquisas de opinião. E ninguém me diga que, dessa vez, os institutos infiltraram seus entrevistadores entre as alas de manifestantes que encheram as ruas.

A baixa avaliação do governo é também emblemática da ausência de sintonia entre a presidente e alguns de seus ministros e, sobretudo, com os presidentes das duas instâncias do Congresso Nacional, Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves. O cenário se agrava ao saber-se que o relacionamento é quase nulo com os operadores da chamada base partidária, que se esfalfa para cimentar o apoio de ideologias tão díspares quanto o credo evangélico, a defesa do aborto e da reforma agrária, e o inquebrantável direito à propriedade. Seria o mesmo que juntar aficionados do Flamengo e Corinthians e transformá-los em fanáticos torcedores do Íbis, o pior time do mundo.

É visível o embate existente hoje entre PT e PMDB, maiores legendas da aliança, que disputam palmo a palmo o privilégio de abocanhar os maiores nacos do poder e o controle das demais bancadas do bloco, havendo quem sustente que o PMDB está a ponto de desembarcar do furado barco governista, aliás, em rigorosa subordinação à sua apetência fisiológica.  E, mais, que uma parte expressiva da bancada petista discorda da recente iniciativa do Planalto em termos da reforma política, dando lugar à murmuração pela volta de Lula.

Quem entende do riscado diz que o governo jogou a batata quente da reforma nas mãos do Congresso onde, por exemplo, a realização do plebiscito somente é aceita pelos mais dependentes partidários da presidente. Assim, se a tentativa fracassar, como muitos supõem, a culpa será do Congresso, inclusive colocado sob a mira da sociedade em face do abuso de poder dos presidentes do Senado e Câmara, que requisitaram jatos da FAB para viagens sem a menor conjugação com os interesses da República.

No quesito reforma o comportamento do governo tem sido lastimável, pois definições são anunciadas e canceladas no mesmo dia. O vice-presidente Michel Temer e o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça), a quem Dilma incumbiu de tratar do assunto, admitiram na manhã dessa quinta-feira (4) a impossibilidade da realização do plebiscito e a aprovação das novas regras com validade já para as eleições de 2014. No final da tarde do mesmo dia, Temer foi constrangido pelo descontentamento de Dilma, a negar o que tinha declarado antes e confirmar o interesse do governo na realização de consulta popular doze meses antes da próxima eleição, para a adoção de novo sistema político-eleitoral. A Oposição rotulou a atuação governamental de trapalhada, mas reconhece não ter votos suficientes para derrubar a proposta encaminhada à Câmara na forma de decreto-legislativo.

A massa desse bolo que parece ter excesso de fermento para pouca farinha requer os condimentos acrescidos necessariamente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que precisa de setenta dias para dar normalidade legal ao plebiscito. A avaliação criteriosa dos prazos torna impraticável a adoção da nova sistemática. Assim, a solução mais viável seria a realização da consulta junto com a eleição de 2014, valendo as normas somente na eleição seguinte.

O economista André Lara Resende, em ensaio publicado também no Valor Econômico (Eu&Fim de Semana) sob o título sugestivo “O mal-estar contemporâneo”, mesmo levando em conta a postura conservadora tocou em pontos nevrálgicos que afloram no cenário brasileiro. Entre outras ponderações escreveu que “nos dois primeiros anos do governo Lula, a política econômica foi essencialmente pautada pela necessidade de acalmar os mercados financeiros, sempre conservadores, assustados com a perspectiva de uma virada radical à esquerda. A partir daí, o PT passou a por em prática o seu projeto. Um projeto muito diferente do que defendia enquanto oposição”.

Sobre as razões da insatisfação popular ainda não bem compreendidas, Resende intui a possibilidade de perceber que “o modelo de representação democrática, constituído há dois séculos para sociedades menores e mais homogêneas, tenha deixado de cumprir seu papel num mundo interligado de sete bilhões de pessoas, e precise ser revisto. O debate público deslocou-se das esferas tradicionais da política para a internet e as redes sociais”. O economista lembra que a população percebeu o fracasso do modelo político do século passado “antes que o Estado ou aqueles que deveriam representá-lo – governo e oposição, Executivo, Legislativo e imprensa – tenham se dado conta de que hoje trabalham com objetivos anacrônicos”.

Em conclusão diz que a onda de protestos é capaz de abrir “o caminho para um novo desenvolvimento, não mais baseado exclusivamente no consumo material, mas na qualidade de vida”. Só não vê quem não quer.

 

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