13:32A voz rouca do poder

por Sandro Vaia

 

Conheço todos: Maria foi à manifestação por causa do preço dos ônibus; Pedro foi porque é petista; João foi porque não gosta do PT; Antonio foi porque é contra a corrupção; Alfredo foi porque é contra a “cura gay”, embora não saiba o que vem a ser isso; Lúcio foi porque é contra a PEC 36, que não sabe distinguir da 37, ou da 99, ou de qualquer outra; Ricardo foi porque quer uma passarela mais próxima para cruzar a estrada; Lúcio foi porque adora futebol mas é contra o dinheiro público enterrado nos estádios da Copa.
Enfim, tem para todos os gostos. E cada um deles canta a sua vitória. A esquerda diz que escorraçou os agentes provocadores da direita golpista e os conservadores dizem que colocaram os agitadores esquerdistas em seu verdadeiro lugar.
Entre uma “manifestação linda e pacífica” (como diziam os locutores de TV) e outra, houve alguns vândalos e depredadores, mas isso é da vida. Não existe primavera grátis, como já nos ensinaram as praças árabes.
Enquanto as manifestações mais ecumênicas e contraditórias que já povoaram as nossas ruas e praças obrigavam os nossos cientistas políticos e psicólogos sociais a correr para seus livros para bordar explicações recheadas de alguma erudição, os fenômenos políticos se sucediam.
A chamada “voz rouca das ruas” obrigou a presidente a atropelar o país com uma lista de cinco panacéias elaboradas urgentemente em sua farmácia de manipulação, e os políticos a trabalharem com uma energia e um ritmo de uma esteira ergométrica desgovernada.
(Breve parênteses: para quem se interessa pelo estudo de casos patológicos provocados pela leitura labial errada do que diz a “voz rouca das ruas”, recomendo procurar no Youtube trechos do documentário sobre a queda do ditador romeno Nicolau Ceausescu em 1989. Basta digitar “Videogramas de uma revolução”. Ou então procurar em alguma locadora o filme “A Leste de Bucareste”, que além de tudo é pateticamente engraçado).
Das propostas apresentadas solenemente pela presidente (que o jornal “Financial Times” chamou com fleugma britânica de “propostas de baixa efetividade”), a maioria era requentada de outros carnavais, ainda que apresentadas com roupagem nova.

Mas a sensação foi a sugestão de um plebiscito destinado a criar uma Constituinte exclusiva para a reforma política. Tão sensacional que as pessoas que estavam em volta dela foram surpreendidas pela novidade – inclusive seu vice, que é tido por notável constitucionalista e sequer foi avisado antecipadamente das intenções da titular. Não fez cara de espanto porque manteve a postura hierática de um mordomo e mordomos não se espantam.

A confusão conceitual, política e jurídica que a proposta causou foi tamanha que ela teve que voltar atrás e ficar só com o plebiscito, sem a Constituinte exclusiva.
Além dos tumultos de rua, o Brasil agora tem uma solene inutilidade para discutir.

 

*Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail: [email protected]

Compartilhe

Uma ideia sobre “A voz rouca do poder

  1. antonio carlos

    A presidanta crente na falta de inteligência do seu eleitorado resolveu apelar, veio com este golpe baixo do tal PLEBISCITO, como se ele seja capaz de resolver alguma coisa. Se plebiscitos e referendos resolvessem problemas econômicos a Europa não estaria na situação que hoje se encontra. Engana que eu gosto presidanta.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.