7:47O BONDE DA HISTÓRIA

por  José Maria Correia

 

O bonde da história não avisa quando vai passar, chega lotado e atropela quem para no trilho.

 

A palavra do dia ainda é perplexidade.

 

Toda a sociedade e os governantes estavam habituados a decisões ditadas de baixo para cima.

 

Sem participação dos interessados ou atingidos pelas medidas.

 

Desprovidos de uma visão abrangente da perversidade dos efeitos sociais do que decidem no isolamento dos gabinetes e informados apenas pela frieza das planilhas e pela crueldade dos índices.

 

Nunca ninguém reclamou ou contestou – pelo menos tão expressivamente como agora.

 

Apenas para exemplificar, cito o corte havido no valor das aposentadorias, o fator previdenciário e a redução do teto do INSS para menos da metade do valor que era e que foram recebidos com o silêncio dos conformados e comportadas manifestações em plenários.

 

Assim ocorre também com a alta dos alimentos, dos remédios e de outros fatores essenciais para a sobrevivência digna dos trabalhadores e assalariados.

 

Exponencialmente com as tarifas de pedágios mal pactuadas em contratos leoninos.

 

Tudo ao sabor da festejada livre iniciativa e do mercado, ao gosto dos neoliberais que repudiam a função do Estado como agente regulador da economia mesmo na cesta básica ou Saúde.

 

Na França há um ditado: “Se subir o metrô, o vinho e o pão, vem a revolução”

 

No Brasil todos temos pão, já nosso metrô popularizado é o velho ônibus congestionado, lento e caro – e o vinho…  bem o vinho é melhor esquecer.

 

Na Espanha a população indignada foi às ruas quando passaram a cobrar uma fração dos remédios nas farmácias .

 

Na velha Grécia, onde nasceu a democracia, o povo não sai das ruas protestando duramente contra o arrocho imposto pelos donos do mercado europeu.

 

No nosso Brasil finalmente foi rompido o mito da cordialidade excessiva e da despolitização criada pelo samba e pelo futebol dos trópicos, sempre exaltado nas patriotadas do Galvão Bueno, porta-voz da pátria de chuteiras .

 

O fato é que de repente a perplexidade geral começa a ser substituída pela busca das explicações apressadas sobre a origem e o porquê das manifestações por todo o país.

 

De onde surgiram ?

 

Como as redes sociais romperam o monopólio das informações dos jornais nacionais ?

 

Não é vinte centavos, dizem os manifestantes paulistas. Vinte centavos teria sido a gota de água que fez o copo transbordar.

 

Seria a clássica faísca na pradaria onde o celular substitui o fósforo.

 

É a revolta contra a corrupção e a impunidade, dizem muitos falso moralistas, não todos, que fazem oposição ao governo federal, mas são situação em estados ou municípios.

 

Para a grande mídia eletrônica e os cartéis de radiocomunicação, até anteontem era tudo apenas baderna e vandalismo.

 

Estavam equivocados e ontem os analistas televisivos já mudaram, muito mais preocupados em encontrar argumentos para a defesa de uma ordem social injusta, que somente os privilegia.

 

Hoje,  a cada hora que passa cresce a consciência de que o movimento, mesmo ainda difuso, não irá cessar enquanto não acontecerem avanços que produzam resultados concretos na melhoria da qualidade dos serviços públicos e no restabelecimento do sentimento entre os manifestantes de que alguma coisa foi feita e muito ainda mais será.

 

Também diziam os antigos cientistas políticos que o poder ou se reforma ou será reformado.

 

Há muito anacronismo e ranço da ditadura militar na metodologia empregada pelas forças de segurança em presença de passeatas.

 

Durante mais de trinta anos, desde 1964, as polícias foram treinadas e condicionadas para reprimir manifestantes com violência, empregando cavalaria, veículos táticos como o Brucutu, bombas, produtos químicos e armas letais, quase letais e as não letais que causam lesões perigosas.

 

Não muito diferente das tropas do Czar da antiga Rússia que atacavam mulheres e crianças a golpes de sabre, como faziam suas similares da Índia, da Inglaterra ou da Alemanha.

 

Parece que os primeiros efeitos positivos das manifestações se deram exatamente na esteira  do barbarismo e da violência da atuação de parte das tropas de choque que estão recebendo orientações para uma atuação onde não se admita a violência e a agressão dos tiros e das patas de cavalos – e o emprego apenas da força minimamente necessária e indispensável para conter os excessos e os atos de vandalismo e quebra -quebra cometidos por marginais infiltrados e que tem o repúdio de toda a sociedade e acima de tudo dos legítimos manifestantes , os mais prejudicados pelos desvios comportamentais .

 

Para onde irá esse Bonde ainda não sabemos , mas certamente despertou a todos nas casas ou nas ruas e já conseguiu alterar o imobilismo e a mesmice dos que quedam paralisados diante do malfeito e impedem os avanços sociais.

 

Os tecnocratas já não decidirão mais sozinhos e ao arrepio das massas que mostraram suas faces cheias de indignação.

 

Assim como os jovens que estão nas ruas não toleram mais passar tantas horas de seus dias entre casa, escola e o trabalho espremidos em vagões e ônibus que lhes consome boa parte do orçamento limitado, enquanto tornam cada vez mais ricos os privilegiados empresários que exploram esses cartéis subsidiados e obtidos em concessões sempre postas sob suspeita .

 

Entre tantas interpretações e leituras das manifestações, cada qual ao molde de um estamento social ou de uma facção política, uma certeza hájá passou da hora das mudanças

 

e da cobrança dos abusos dos que exercem ou exerceram em passado recente o poder de

 

costas para o povo.

 

Como será doravante e o que virá ainda das ruas não sabemos, não se pode prever, mas

 

seguramente muitos tem muito a temer.

 

É o Bonde da História chegando novamente .

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