7:13Se jetom não é remuneração, o que é?

por Célio Heitor Guimarães

 

Talvez seja uma graça divina, caída do Céu. Mas vamos aos fatos: ainda a propósito do chamado limitador salarial dos servidores e agentes públicos e de agentes políticos, aqui focalizado na terça-feira, é de se registrar que a Gazeta do Povo tratou do tema na edição de domingo, referindo-se aos jetons recebidos por secretários de Estado e ministros da República, sem que tais rendimentos estivessem sujeitos ao limite salarial previsto na Constituição.

 

Segundo o jornal, “os pagamentos extraordinários para servidores que integram os conselhos de administração e fiscal de empresas públicas (…) não entram no limite do chamado teto do servidor, hoje na casa dos R$ 28 mil” (no Paraná, pouco mais de R$ 26 mil).

 

Cita, entre outros, o caso do secretário de Infraestrutura e Logística, José Richa Filho, não por acaso irmão do atual governador do Estado, e que também é membro do Conselho de Administração da Copel e do Conselho de Administração da Celepar, arrecadando, do primeiro, R$ 7,3 mil mensais e, do segundo, R$ 1,8 mil por reunião, valores pagos cumulativamente com o vencimento de secretário de R$ 18,7 mil.

 

Na área federal foram apontados, como exemplos, os nomes do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que, além do vencimento do cargo, de R$ 26,7 mil mensais, percebe mais R$ 6,5 mil por mês por integrar os conselhos de Administração dos Correios e da Agência Brasileira de Inovação, e do ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, aquinhoado com mais R$ 8,1 mil pela participação no Sesc.

 

Desculpem a ignorância e a ingerência aqui do macaco, mas uma boa alma poderia informar-me onde está escrito que jetom não se submete ao teto salarial? Qual o fundamento legal em que se escoram os defensores dessa exclusão? Onde é dito que jetom corresponde à verba de indenização?

 

Jetom é o pagamento pela presença, por uma participação, e, como tal, remuneração, como qualquer outro benefício ou vantagem pecuniária.

 

O Ministério Público Federal, ao manifestar-se em ação popular ajuizada no Rio Grande do Sul contra a União Federal, fez questão de destacar que, ao receber jetons, a atuação de ministros nos conselhos se constitui em artifício empregado com a finalidade de proporcionar remuneração acima do teto para integrantes do alto escalão do governo. “Não são necessárias maiores digressões para concluir pela imoralidade da utilização do pagamento de jetons para burlar a norma constitucional”, diz o parecer.

 

Como bem observou o auditor fiscal baiano Marcos Antonio da Silva Carneiro, professor de Direito Tributário, com mestrado em Políticas Sociais e Cidadania, o sistema jurídico constitucional brasileiro não admite castas ou classes de cidadãos porque se assenta no princípio da isonomia, que prega a igualdade de todos perante a lei.

 

Quer dizer, ao estabelecer que a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e das autoridades correlatas nos Estados e Municípios, o inciso XI do artigo 37 da Carta Magna engloba qualquer tipo de remuneração, submetendo-a ao teto remuneratório.

 

No caso dos ministros e secretários de Estado, então, pesa ainda sobre eles o parágrafo quarto do artigo 37 da mesma Lei Maior, onde consta literalmente a exigibilidade da exclusão da verba de representação ou de qualquer outra espécie remuneratória (inclusive jetons) quando for ultrapassado o limite constitucional do art. 37, inciso XI. Note-se que a exclusão ali tratada não é do limite salarial, mas da remuneração que ultrapassar aquele limite.

 

Pela redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, o citado parágrafo não deixa margem para dúvida: “O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.

 

É preciso dizer mais?

 

Talvez o significado da palavra “jetom”, que, segundo o tributarista Silva Carneiro, “é uma espécie remuneratória acessória a qualquer outra principal, usual para pagar agentes políticos e servidores públicos pelo seu trabalho em funções particularizadas, como o trabalho em comissões, colegiados ou outros órgãos de deliberação coletiva”.

 

Sempre submissa, porém, ao limite remuneratório imposto pelo art. 37, XI, pouco importando que a remuneração extra de gestores pela participação em conselhos seja comum na administração pública. Pode até se, mas é também ilegal por falta de suporte legislativo. As únicas exceções, por força do parágrafo onze do art. 37, são as parcelas indenizatórias – o que, por certo, não é o caso do jetom –, desde que previstas em lei.

 

O mais, com todo o respeito, é pura balela, para não dizer malandragem.

Compartilhe

Uma ideia sobre “Se jetom não é remuneração, o que é?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.