7:29O Deus em que acredito

por Célio Heitor Guimarães

 

A questão de Deus é sempre complicada. Rogério Pereira, do site Vida Breve, escreveu-Lhe uma carta, aqui publicada na segunda-feira. Texto brilhante, como de costume. Mas amargo, doído, dilacerante, como só Rogério é capaz. Tem ele as suas razões e costuma desfilá-las neste blog com invulgar talento.

 

Já o nosso Rubem Alves, meu filósofo favorito, tem opinião diferente. Como pastor protestante, passou anos difundido o que aprendera ser a palavra de Deus. De repente, sentiu-se enganado. E a frustração levou-a a romper com a religião. “Não posso respeitar uma religião que, para se impor, amordace o pensamento” – frisou, sustentando: “Eu preciso não ter religião para amar a Deus sem medo, com alegria e, principalmente, sem nada pedir. Não tenho religião porque não concordo com as coisas que elas dizem de Deus”.

 

Hoje, Rubem só acredita em Deus se Ele for amor e não tiver vinganças para realizar, mesmo contra aqueles que n’Ele não acreditam. Para Rubem, Deus está nas cores do crepúsculo, no perfume da murta, na beleza da sonata, no canto dos pássaros, na alegria das crianças. Não obstante, é dele a melhor descrição de Deus, presente num livrinho que ele escreveu quando perguntaram-lhe se acreditava em Deus e cujo título é esse mesmo: “Perguntaram-me se acredito em Deus” (Editora Planeta, presente nas boas casas do ramo).

 

Num dos capítulos, nas vestes de Mestre Benjamin, um contador de estórias – dos tempos antigos, em que as noites eram escuras e silenciosas, somente as estrelas e a Lua iluminavam os céus e, na terra, podia ouvir-se o barulho do vento, o piar das corujas e uivo de algum lobo –, Rubem procura responder a indagação.

 

Mestre Benjamin começa por indagar aos presentes à sua tenda, que se encontrava lotada, como de costume, quantas pessoas ali estavam pensando no ar. Ninguém levantou a mão. E ele: — Ninguém está pensando no ar. Ninguém nem sabe direito o que é o ar. E, no entanto, todos nós o estamos respirando. O ar é a nossa vida e não precisamos pensar nele e nem dizer o seu nome para que ele nos dê vida. Mas o homem que se afoga no fundo das águas só pensa no ar. Deus é assim. Não é preciso pensar nele e pronunciar o Seu nome. Ao contrário, quando se pensa nele o tempo todo é porque está se afogando…

 

O sábio fez uma pausa. E ante o silêncio da plateia, continuou:

— Deus é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de onde vem nem para onde vai. Na flauta, o vento se transforma em melodia. Mas não é possível engarrafá-lo. No entanto, as religiões tentam engarrafá-lo em lugares fechados a que elas dão o nome de “casa de Deus”.

 

Mas, se Deus mora numa casa, estará ele ausente do resto do mundo? Vento engarrafado não venta…

 

“Ouve-se, então o pio distante de uma coruja”. E Mestre Benjamin vai em frente:

 

— Deus é como o pássaro encantado que nunca se vê. Só se ouve o seu canto… Deus é uma suspeita do nosso coração de que o universo tem um coração que pulsas como o nosso. Suspeita… Nenhuma certeza. Fujam dos que têm certezas. Eles trazem gaiolas nas mãos. E os pássaros que têm presos nas suas gaiolas são pássaros empalhados. Ídolos.

 

— É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo no assombro da vida. Não precisamos dizer o nome “rosa” para sentir o seu perfume; não precisamos dizer o nome “mel” para sentir a sua doçura…

 

E completa:

 

— Há pessoas que se dizem religiosas por acreditar em Deus. O que vale isso? O demônio também acredita e estremece ao ouvir o Seu nome. A pergunta não deveria ser “Você acredita em Deus”, mas “Você se comove com a beleza?” Deus nunca foi visto por ninguém, porque ele não quer ser visto. Ele se mostra na experiência da beleza. Quer ver Deus? Veja a beleza do sol que se põe. Quer ouvir Deus? Entrega-se à beleza da música. Quer sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o perfume do jardim. Quer saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço, porque Deus tem o coração de criança.

 

Naquela noite, todos foram dormir um pouco mais felizes. No céu as estrelas brilhavam como nunca. Mas ninguém quis falar nada. Eles sabiam, porque aprenderam com mestre Rubem Alves, que “só se deve falar quando a fala melhora o silêncio”.

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