7:32O diabo e as eleições brasileiras

por Ivan Schmidt

Já está nas ruas a campanha para a sucessão da presidente Dilma Rousseff, aquela senhora que afirmou que em tempo de eleição “a gente faz o diabo”, desde que a vitória seja assegurada, diante do aplauso baboso dos áulicos. Também não é novidade que Dilma é a candidata ungida por Lula para continuar por mais quatro anos à frente do governo federal.

Diga-se, ainda, que a licença não oficial para a campanha, que a legislação eleitoral preconiza que somente seja iniciada na hora certa, foi emitida pela própria presidente da República, que não dispensa as oportunidades que o exercício do cargo lhe permite de subir aos palanques e deitar falação sobre quaisquer assuntos.

Há poucas semanas, o deputado federal Roberto Freire, presidente nacional do PPS (o antigo PCB), entrevistado no programa Roda Viva (TV Cultura), lembrou com propriedade que o gesto de Dilma contribuiu para tonificar a ação dos partidos de oposição, especialmente do PSDB e do senador mineiro Aécio Neves, o principal nome da oposição para a disputa presidencial de 2014, que anunciou a disposição de percorrer o País a fim de expor à população o que está errado na atual administração.

Espera-se, porém, que a oportunidade aberta à oposição seja efetivamente aproveitada, pois até então muito pouco fora dado à observação da sociedade em termos de vida inteligente e capacidade de reação dos partidos que não comungam com a vulgata entoada pela chusma de legendas integrantes da esfomeada aliança governista.

Justamente de onde não se imaginava (o PSD de Gilberto Kassab) partiu a reação inusitada de recusar a oferta de gabinetes na Esplanada dos Ministérios, como chamarisco para a grande coligação de 2014, período em que o ex-prefeito de São Paulo, ao que tudo indica, teria outras conveniências eleitorais cogitando sua própria sobrevivência política.

Entretanto, como a atual conjuntura assume resolutamente a feição do ornitorrinco, espécie animal que habita a região zoogeográfica australiana e é tido como uma forma de transição entre repteis e mamíferos, inspiradamente apontada pelo historiador e cientista político Francisco Oliveira, Kassab não titubeou em declarar que o partido prossegue filiado à aliança de apoio ao governo Dilma, assim com ele mesmo não recusa a qualificação de entusiasta da candidatura da presidente à reeleição.

Aliás, Dilma não cancelou o aceno ao PSD, ou seja, o oferecimento do Ministério da Micro e Pequena Empresa ao vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, político com posições claramente afinadas com o pensamento centro-direitista e que entraria no governo Dilma, literalmente como Pilatos no Credo. Mas não deixaria de ser instrutivo para a plebe ignara perceber o grau de acuidade da presidente Dilma Rousseff e do carro-chefe da aliança, o PT, quando se trata do dever patriótico (seria isso fazer o diabo?), de preservar a governabilidade.

Poucas vezes na história recentíssima da República viu-se composição de governo de tamanha heterogeneidade quanto o atual primeiro escalão federal, que alinha ministros do petismo ortodoxo e/ou da esquerda socialista, digamos com alguma benevolência, a colegas do extremo oposto do arco partidário. Que teriam a ver, perguntam os céticos, personalidades como Paulo Bernardo, Gilberto Carvalho, Aloizio Mercadante e Maria do Rosário, por exemplo, com Gastão Vieira, Moreira Franco e Marcelo Crivella, para citar uns poucos?

Aliás, nesse contexto, é salutar a lembrança da entrevista do industrial gaúcho Jorge Gerdau, conselheiro pessoal da presidente Dilma Roussef, à Folha de S. Paulo, na qual afirmou que a existência de 36 ministérios (quando, na verdade, a presidente toca o governo com uns cinco ou seis ministros), está no limite da burrice e na iminência de produzir alguma causa muito grave.

Gerdau afiançou que Dilma está plenamente cientificada da opinião, com a qual parece concordar em tese, mas um dia depois da entrevista fez nova arrumação no tabuleiro governamental, nomeando os ministros Antonio Andrade (Agricultura) e Moreira Franco (Aviação Civil), os dois do PMDB, e Manoel Dias (Trabalho), puxadinho reservado ao PDT.

A mexida se deveu à insatisfação do PMDB com o cargo anterior de Moreira Franco, ex-governador do Rio que desde então não conseguiu eleger-se nem para síndico de prédio, mas arranjou uma boca na assessoria do presidente Fernando Henrique Cardoso, conforme a supimpa vocação governista do partido.

No governo Dilma, o estepe preferido do PMDB foi contemplado com a Secretaria de Assuntos Estratégicos, e mesmo com o status de ministério, Moreira jamais dissimulou o ressentimento causado pela total opacidade do órgão, sendo agora transferido para a Aviação Civil, assunto que deve entender tanto quanto os acusadores de Galileu entendiam de mecânica celeste.

Já a nomeação de Andrade, que é de Minas Gerais, atende à dupla finalidade de substituir o ministro Mendes Ribeiro, que luta contra um câncer e criar prováveis percalços à virtual candidatura do senador Aécio Neves que conta com a simpatia dos grandes ruralistas, especialmente os cafeicultores.

A pressão do ex-ministro Carlos Lupi, capo do PDT, acabou desbancando Brizola Neto, o breve, cuja cadeira passou a ser ocupada pelo secretário geral do partido, Manoel Dias, nada além de preposto do anteriormente defenestrado do cargo pelo nauseante  fedor de corrupção. O que é inconcebível é verificar que Lupi ainda influencia o governo, a ponto de levar a figura mais destacada do Planalto a obedecer, mesmo envolta em pretensa aura de autoridade, uma quase ordem: tiram Brizola do Trabalho ou o PDT desembarca da nau de insensatos que é a aliança governista.

Convenhamos que é muita areia para o caminhão de um partido que vive o dilema kafkiano de manter-se fiel ao testamento político de Vargas, Goulart e Brizola ou a arrastar pelo cabresto o sindicalismo pelego, embora não consiga fazer nem uma coisa nem outra. Pormenor que parece não causar um tico de embaraço aos operadores do atual modelo político do Palácio do Planalto.

É nesse panorama que estão as faladas candidaturas do senador tucano Aécio Neves e do socialista pernambucano Eduardo Campos, netos de Tancredo Neves e Miguel Arraes. Aécio precisa superar a ainda forte oposição de grupos ligados a José Serra, assim como Campos tem a necessidade de solidificar a imagem do novo líder e gestor público capaz em colégios eleitorais mais expressivos, fora do Nordeste. Ambas as tarefas não são fáceis, mas podem ser tentadas com êxito, embora alguns analistas digam que o ideal seria a formação de uma frente ampla, apesar dos maus pressentimentos que a expressão suscita, reunindo Aécio, Eduardo, Marina e Gabeira, os nomes de maior evidência na oposição.

Na entrevista de Roberto Freire lembrada acima, entretanto, ele afiançou que coalizão dessa natureza no Brasil, em primeiro turno, é impossível.

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