6:08Fernandinho e Altair, até breve

por Célio Heitor Guimarães

Já disse alguém que uma das desgraças de se viver muito é assistir à morte não apenas de parentes como também de amigos, contemporâneos e ex- companheiros. Agora que cheguei aos setenta, sou prova disso. Você continua firme… ou mais ou menos, dentro das possibilidades. Mas os amigos e ex- companheiros de vida vão indo. E você, no mais das vezes, só fica sabendo pelo obituário dos jornais.

Nos últimos meses, foram vários os que partiram: Cândido Gomes Chagas, Roberto Portugal, Jair Brito, Hermes Soethe, Edson Jansen, Euclydes Cardoso, Mussa José Assis. Antes, já haviam ido Wilson Bueno e Walmor Marcellino.

Na semana passada, com diferença de poucos dias, perdi mais dois parceiros de antigos tempos de rádio e jornal: Fernando Horilka e Altair Astor Raimundo.

Fernando, que se denominava no rádio Fernando José e era chamado pelos amigos de Fernandinho, foi locutor de pelo menos duas emissoras de rádio de Curitiba nas décadas de 50 e 60: Santa Felicidade e Guairacá, que já não existem mais. Era também chargista e volta e meia se fazia presente nas páginas dos jornais da região metropolitana da Capital. Era mais conhecido, porém, na Boca Maldita da Luiz Xavier, onde fazia ponto quase todos os dias. Sofria os males de um chamado “bico de papagaio”, que lhe dificultava os movimentos, mas estava sempre pronto para um bom papo. Fazia amigos com extrema facilidade e se dava bem com todo mundo, até com aquelas pessoas que pouco conhecia.

A propósito disso, teve um episódio antológico. Recém casado, em meados da década de 60, Fernandinho resolveu transferir-se com a mulher, que, se não me falha a memória, era bibliotecária, para o Rio de Janeiro. Logo nos primeiros dias, passeando pela Cidade Maravilhosa, acercou-se, com a maior facilidade, de um grupo de jovens que conversava em Copacabana. Enturmou- se rapidamente. De tal modo que foi convidado a participar de uma reunião naquela noite na casa de um dos novos amigos. Correto e pontual, às 20 horas compareceu ao local indicado, devidamente acompanhado pela esposa. A conversa começou. Achou-a meio estranha, mas foi ficando. Lá pelas tantas – surpresa! – chega a polícia. E leva todo mundo preso, incluindo Fernandinho e a mulher. O local era uma das células do movimento revolucionário contra o governo militar que se instalara no Brasil.

Altair Astor também foi locutor, mas era sobretudo um jornalista. Um repórter na essência. Daqueles que farejam a notícia e fazem de uma simples conversa uma bela reportagem. Conheci poucos assim. Altair foi um deles, com certeza. Arnoldo Anater outro. Com Altair dividi a redação de A Tarde, de Protásio de Carvalho, e O Dia, de Colbert Malheiros e Emanoel Coelho. Depois, ele foi para Última Hora e quando decidiu trocar definitivamente o jornalismo pela advocacia, teve a gentileza de indicar o meu nome para substituí-lo em uma coluna diária sobre rádio e TV. Virou criminalista e o jornalismo, lamentavelmente, perdeu um talento nato, desse que pouco existe hoje em dia.

Altair e Fernandinho deixam saudade. Aquela saudade que Rubem Alves define como “a presença de uma ausência”, ou seja, aquilo que deixou de existir, mas que o coração da gente deseja que continuasse existindo.

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