8:38As nuanças do fisiologismo

por Ivan Schmidt

Considerando que uma das características da arte política, talvez a principal, é a algaravia, esgotadas todas as probabilidades propostas pelo desgastante falatório, com seus infindáveis prós e contras, finalmente saiu o desfecho anunciado: o ex-governador Orlando Pessuti abandonou a ideia de aceitar o oferecimento que lhe teria sido feito pelo governador Beto Richa, de ocupar a presidência da Sanepar.

Na verdade (mestre Mussa Assis não gostava da expressão, pois dizia que jamais vira ninguém usar o oposto, “na mentira”), poucas pessoas têm o privilégio de conhecer os pormenores dessas tratativas, se é que elas existiram de fato. Uns dizem que o governador alimentou a tese de atrair Pessuti com a intenção de afastá-lo da ministra Gleisi Hoffmann e, assim remover parte das dificuldades que deverá enfrentar na campanha pela reeleição em 2014.

Outros opinam que a ideia de enxertar o ex-governador no time de auxiliares diretos de Beto Richa, presidindo uma das principais empresas estaduais, originou-se na bancada peemedebista na Assembleia Legislativa, que a imprensa local jocosamente passou a identificar como o PMDB do B, dada a volúpia com que seus integrantes – quase sem exceção  — vergaram-se aos acenos palacianos.

A inclinação governista dos deputados do antigo partido-ônibus foi recompensada com a Secretaria do Trabalho, confiada ao deputado Luis Cláudio Romanelli, embora a bancada esperasse mais do governador em troca dos votos favoráveis em questões importantes na Assembleia. Na pequena reforma do secretariado anunciada pelo governador no início do ano, o PMDB imaginava receber (além da indicação de Pessuti para a Sanepar), alguma vantagem extra no escambo.

Contudo, o silêncio de Beto Richa foi constrangedor para os ex-requianistas, que ficaram no ora veja, embasbacados com a Secretaria do Trabalho já administrada por Romanelli. Há alguns dias foi anunciado o convite do governador ao deputado peemedebista Luis Eduardo Cheida, para a Secretaria do Meio Ambiente. O curioso é que Beto, ao justificar o convite, explicou que a decisão havia sido estritamente pessoal, e que em nenhuma hipótese sua iniciativa foi minimamente influenciada pela disposição intestina da bancada em indicar nomes para o primeiro escalão. Cheida, ligeirinho, aceitou.

Em outras palavras, o deputado será novamente secretário do Meio Ambiente, cargo que ocupou nos governos de Roberto Requião, não por influência da bancada, mas por escolha monocrática do chefe do Executivo. E estamos conversados.

Numa exegese possível do imbróglio Pessuti, poder-se-ia especular que a lengalenga da indicação do ex-governador para a presidência da Sanepar morreu na praia (ou na margem de um reservatório da empresa), sofregamente encurralada pela celeridade e extrema competência de figuras graduadas da administração federal, que desde o início do governo Dilma Rousseff não conseguiram encaixar o aliado em função relevante. Comentou-se finalmente que o ex-governador será encaminhado a uma diretoria de Itaipu Binacional.

Para dizer pouco, a desistência de Pessuti  (ou o cancelamento do convite), livra-o da marca indesejável que teria de carregar e, pior, explicar aos eleitores que desde seu primeiro contato com as urnas, em 1983, se acostumaram com sua presença no PMDB, mas de repente passariam a vê-lo agarrado a um cargo no governo estadual e, pelo menos na prática rasteira da política, cooptado para reforçar o ninho tucano (que não anda bem) na tentativa da reeleição de Beto Richa.

Que vantagens seriam obtidas pelo ex-governador em seu acordo temporário com o sucessor? A presidência da Sanepar, óbvio, somada à preferência na disputa de uma cadeira no Senado? Lembremos, porém, que esse também é o alvo preferencial do dono do mandato, senador Álvaro Dias, assim como do ávido tucano Valdir Rossoni que já declinou a veleidade de alcançar maiores alturas. Na mesma linha de raciocínio vale também incluir na lista de candidatos ao Senado o secretário Ricardo Barros, mentor de uma das legendas atreladas ao governo estadual, que decerto tenciona reivindicar, em momento estratégico, contrapartida à fidelidade ao chefe do executivo.

Acima de tudo, o PMDB paranaense teria de fazer das tripas coração para convencer a liderança maior do partido (leia-se Michel Temer) que a revoada dos deputados estaduais em direção do governo é de mentirinha e só dura até a eleição de 2014, quando os bizarros homens públicos voltariam, cordatos, a bailar sob o compasso do diretório regional. Nesse balaio de gatos, é forçoso reconhecer que o ex-governador Orlando Pessuti será compulsoriamente chamado a desempenhar o papel de avalista da ambígua vocação governista da bancada estadual, além de enumerar razões suficientes para transmutar em argumentos favoráveis à governabilidade o que carrega a ineludível nuança do fisiologismo.

É um ganho medíocre, convenhamos, em estágio tão adiantado duma carreira até aqui exitosa do antigo extensionista da Emater-PR, que trocou campanhas de vacinação de animais por vários mandatos de deputado estadual, até ser eleito vice-governador na chapa de Roberto Requião, tornando-se seu substituto no Palácio das Araucárias em 2010.

Um dos cenários antecipados para 2014 é a já sacramentada candidatura da ministra Gleisi Hoffmann ao governo, cuja composição tem tudo para alinhar Pessuti mais uma vez como candidato a vice-governador. Mesmo uma chapa própria do PMDB no primeiro turno, com Pessuti candidato ao governo (ou Requião?) não causaria maior estranheza, desde que ambas as partes concordem em assinar embaixo do compromisso de ajustar os ponteiros no turno final.  Dessa forma, Osmar Dias voltaria a ser o candidato único da virtual aliança PT-PMDB-PDT ao Senado.

Josef Nório Sculhoff, adestrador de pulgas e quiromante, depois de anos de lazer em sua aprazível quinta nos arredores de Badgá, me enviou cartão postal com seu novo endereço em Damasco (Síria), revelando estar de olho na evolução do quadro político local. Mas fez uma pergunta: “Já acertaram tudo com os eleitores?”.

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Uma ideia sobre “As nuanças do fisiologismo

  1. wilson portes

    .
    Caro Zé Beto, parabéns:

    Mais uma vez você lavra um tento, ao ceder espaço privilegiado para as crônicas do amigo Ivan Schmidt, um dos mais lúcidos analistas políticos do nosso Estado.

    Abração do

    Wilson Portes

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