6:43“Para tudo há o seu tempo…”

por Célio Heitor Guimarães

Não serei capaz de enaltecer a atitude do ator Walmor Chagas, que se matou no último dia 18, em seu sítio no interior de São Paulo, mas digo-lhes que compreendo o tresloucado gesto dele. Aliás, nem sei se foi um gesto tão tresloucado assim.

Rubem Alves, que ama como poucos a vida, acha que o ser humano tem o direito de decidir quanto deseja viver e quando deseja morrer – até porque “a morte e a vida são irmãs”. E, com a sabedoria dos grandes mestres, sustenta que é preciso respeitar a vontade do vivente e permitir-lhe a recepção da morte quando a vida deseja ir embora.

Walmor Chagas, nome maior do teatro, cinema e televisão nacionais, vivia isolado nas encostas da Serra da Mantiqueira. Lugar bonito e cheio de vida. Tinha as montanhas, o céu e a mata a seu lado, Mas sentia-se só. Faltava-lhe vida. Mal recebia a visita de familiares, os amigos eram poucos – ninguém tem mais paciência nem tempo para cuidar de velhos. Aos 82 anos de idade, enxergava cada vez menos, tinha dificuldade para andar, comia pouco e sem prazer. Começava a tornar-se dependente e sabia o que isso significaria.

Mas não creio que só as limitações próprias da velhice tenham sido a causa da depressão que passou a atormentar o grande ator. Fatores outros contribuíram – e muito: os colegas de geração – Cacilda, Paulo Autran, Ítalo Rossi, Ziembinski, Maria Della Costa, Sérgio Cardoso, Guarnieri, Sérgio Brito, Tônia Carrero – já tinham se retiraram de cena, a maioria também da vida; o tipo de teatro que ele praticava ficou fora da moda; o público passou a preferir coisas mais leves, quase descartáveis, como as novelinhas das seis, das sete e das nove; as ofertas de trabalho rarearam e as dificuldades financeiras começaram a aflorar.

A despeito de cercado pela beleza da Mantiqueira, Walmor sentia-se envolto em uma espessa neblina. Neblina de tristeza e de solidão. E essa neblina nascia dele próprio, no fundo de sua alma cansada. Os dias se tornaram compridos demais, as noites insuportáveis. Passou a faltar esperança, motivo para viver. O mundo não mais lhe pertencia. Ou melhor, o mundo não mais lhe queria.

Drummond captou bem a cena: “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus / Tempo de absoluta depuração / Tempo em que não se diz mais: meu amor / Porque o amor resultou inútil / E os olhos não choram / E o coração está seco / E as mãos tecem apenas o rude trabalho / Em vão mulheres batem à porta, não abrirás / Ficaste sozinho, a luz apagou-se / mas na sombra teus olhos resplandecem enormes / És todo certeza, já não sabes sofrer / E nada esperas de teus amigos”.

Walmor não suportou mais esperar que as cortinas do palco se fechassem naturalmente. Sentou-se em uma cadeira no meio da cozinha de seu refúgio e apertou o gatilho.

Compartilhe

2 ideias sobre ““Para tudo há o seu tempo…”

  1. jose maria correia

    O que é melhor , deixar descansar o corpo com dignidade , libertar do encargo os parentes e amigos ou esperar a absoluta decadência física e mental como no caso de Walmor , cego quase paralítico e a caminho do abominável fraldão ?
    Creio que cada um dispõe do seu próprio destino .

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.