7:59Um adeus ao grande Gut

O Fantasma, de Gutemberg Monteiro, para a RGE

por Célio Heitor Guimarães

Se você foi leitor de gibis nas décadas de 40/60 do século passado, deve lembrar-se dele e é até possível que tenha sido admirador de seu traço vigoroso e bonito. Refiro-me ao ilustrador e quadrinhista Gutemberg Monteiro (Farias Lemos), falecido no início de dezembro último, aos 97 anos de idade.

Mineiro de Carambola, Gut queria mesmo ser craque de futebol e era até bom de bola, mas a estatura não o ajudava. Era muito baixinho. Aí, ele enveredou pelo caminho da arte e se tornou um dos maiores artistas do Brasil, com lugar garantido na história das histórias em quadrinhos nacionais, embora tenha vivido os últimos 40 anos fora do país.

Foi Adolfo Aizen, o grande pioneiro dos quadrinhos no Brasil, então editor do Suplemento Juvenil e de quem o pai de Gutemberg era motorista, que ofereceu a primeira oportunidade ao jovem artista. Aizen entregou-o aos cuidados de Monteiro Filho e Antônio Euzébio. O aprendizado foi rápido e eficiente. Logo, Gut estaria na Rio-Gráfica Editora, de Roberto Marinho, ao lado de Benício, Flávio Colin, Walmir Amaral, Lutz, Edmundo Rodrigues, Primaggio Mantovi, Juarez Odilon e outros, dos quais se tornaria chefe.

Ainda assim, continuou colaborando com a Ebal de Adolfo Aizen, para a qual fez a adaptação de “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo, publicada na Edição Maravilhosa.

Na RGE, era o principal capista, ao lado de Lutz, tendo também desenhado algumas histórias, especialmente do Fantasma, de Lee Falk.

Em 1964, quando a produção de HQs começou a decair no Brasil, Gutemberg, sem conhecer uma palavra em inglês, embarcou para os Estados Unidos, onde fez carreira e passou a ser conhecido como “Goot”.

– Como na América, Gut com u era uma palavra pouco aconselhável, que significava “porcaria nas tripas”, me aconselharam a botar os dois os – explicou.

Nos EUA, Monteiro trabalhou nos maiores estúdios, desenhando desde quadrinhos de terror para a Warren Publishing até as tiras dominicais da dupla Tom & Jerry. Foram 15 anos de convívio com o gato e o rato de Hanna & Barbera. A interação entre os personagens e o artista era tamanha que quando deixou de desenhá-los, Gut sentiu como se tivesse “perdido um parente próximo”. Desenhou também outros personagens famosos dos “comics” norte- americanos, como Super-Homem, Flash Gordon, Mandrake, Batman, Capitão América, Riquinho, Gasparzinho e Dick Tracy.

Segundo o amigo Ziraldo, Gutemberg só não ficou rico nos Estados Unidos porque era “humildemente humilde”. A fama, aliás, jamais o afastou da simplicidade. De volta ao Brasil, vivia quietinho com a família em um subúrbio do Rio de Janeiro. Mas, como bom mineiro, adorava um “dedo de prosa”. E nunca deixou de comparecer ao encontro anual dos veteranos da RGE (mesmo quando morava nos EUA), que reunia, entre outros, Mello Menezes, Nilton Ramalho, José Menezes, Benício, Wilton Martins, Walmir Amaral e Ronaldo Graça.

Em junho de 2012, foi homenageado pela Associação Brasileira de Imprensa com uma exposição de alguns de seus mais importantes trabalhos, como as capas que criou para O Globo Juvenil, Gibi, X-9 e Meia Noite, seguida de um bate-papo informal.

– Gut é uma espécie de pai de todos os desenhistas brasileiros – afirmou, na ocasião, o editor de arte da ABI, Francisco Uchoa. “Foram quase 20 anos trabalhando e formando desenhistas, como um dos primeiros a fazer parte da equipe do Globo Juvenil. Ele é a base dessa turma toda.

Ainda assim, ele próprio se confessava um homem sem ambição. E, de fato, sempre foi excessivamente modesto. Tinha a sua teoria: “Dei sorte, porque o que me projetou nos Estados Unidos foi exatamente uma técnica própria, bem brasileira, de desenhar e pintar que ninguém lá fora conseguiu até hoje imitar. Sinto-me realizado profissionalmente. E isto é maravilhoso!”

Gutemberg Monteiro manteve-se lúcido até o fim. Não tinha problema grave de saúde, até que uma intoxicação alimentar o levou ao hospital. Faleceu dois dias depois.

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