9:13Um pouco de luz nas trevas do desconhecimento sobre a dependência de drogas

Da Gazeta do Povo, em entrevista a Diego Antonelli:

Ele conseguiu sair do fundo do poço

Diogo Busse, presidente da Comissão de Direito e Dependência Química da OAB-PR

Prestes a terminar o mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná e atual presidente da Comissão de Direito e Dependência Química da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR), Diogo Busse não teme esconder um passado em que se afundou no mundo das drogas. Só assumiu a doença com o nascimento de seu filho, há cinco anos. Hoje, aos 29, Busse está do outro lado do muro. Quer ajudar pessoas que passaram pelo que já viveu e lutar por políticas públicas para evitar que novos cidadãos se transformem em viciados.

Muito se debate sobre a descriminalização do uso de entorpecentes. O senhor acredita que o consumo de drogas pode ser legalizado?

A dependência de drogas é uma questão de saúde pública. Claro que traficantes devem ser responsabilizados criminalmente. Mas não o usuário. Para se discutir a descriminalização do uso de drogas é preciso que existam estruturas de atendimento adequadas. Comunidades terapêuticas, hospitais e clínicas convivem com falta de profissionais e de qualificação profissional.

De que forma isso se tornaria viável?

Um dos passos é reconhecer e preservar a diversidade de modalidades terapêuticas. O problema da estruturação delas é assunto urgente. É como se fosse um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Para as comunidades terem subsídio do poder público precisam atender a exigências do próprio poder público. Mas para ter essas estruturas precisa-se de verbas, que acabam não vindo.

A OAB pretende melhorar a articulação entre a sociedade e o poder público?

A OAB pode cobrar e propor políticas públicas para tratar os usuários de drogas. Queremos melhorar a articulação entre comunidades terapêuticas e o poder público.

Esse é um tema que o senhor conhece bem…

Experimentei quase tudo. Cigarro, álcool, maconha, cocaína, LSD, ecstasy, crack… Comecei aos 12 anos e parei aos 24. Aos 12, dei minha primeira tragada em um cigarro. Não acreditava nessa escalada nas drogas. Mas passei por isso. Aos 12 também comecei a tomar bebidas alcoólicas.

Alguma razão para você começar a usar as drogas?

Desde muito cedo me angustiavam certas questões existenciais. Acabei canalizando essa angústia para uma fuga e passei a usar drogas. Sou músico desde os 10 anos de idade. A partir dos 14 anos eu já tocava na noite e esse meio pode ter contribuído.

Tocou por muito tempo na noite?

Sim e em vários lugares do Brasil. Quando ingressei na faculdade fui conciliando o curso de Direito e os shows. Toquei por quase 15 anos. Durante grande parte desse percurso usava muita droga.

Tinha noção de que era dependente químico?

No começo, não. Reconheci que era doente quando tinha 24 anos. E foi graças a um acontecimento muito importante. Recebi a notícia que eu seria pai. Hoje meu filho tem 5 anos. Ele nunca me viu usando qualquer tipo de droga.

Antes disso, você chegou a fazer loucuras por causa das drogas?

Depois que me formei, aos 22, eu entrei de fato no fundo do poço. Foram dois anos complicados. Se eu puder resumir a minha vida em uma palavra nesse período eu diria “angústia”. Eu acordava angustiado, passava o dia angustiado e ia dormir angustiado.

Mas o que é o fundo do poço?

É passar por risco de morrer. A primeira vez em que percebi que tinha um grave problema foi quando uma terapeuta me propôs um exercício de meditação. Eu deveria lembrar um dia em que eu estivesse plenamente feliz e nada me veio à cabeça. Teve um episódio em que eu estava com minha banda fazendo um show em uma casa noturna em Curitiba. Depois que acabou o show eu continuei no local usando cocaína e bebendo. Quando a casa estava fechando o dono do local me viu e falou: ‘já que você está aqui pega o cachê da banda’. Estava transtornado. Fui para a rodoviária e fui andando de guichê em guichê para pegar o primeiro ônibus que estivesse saindo. Fui parar em São Paulo. De lá já emendei outra viagem para o Rio de Janeiro. Estava só com a roupa do corpo. No ônibus para o Rio conheci uns usuários de drogas e fiquei com eles na Cidade de Deus por três dias usando tudo que você possa imaginar. Não sei como, mas tive uma luz e me dei conta do que estava fazendo. Saí de lá, peguei o dinheiro que tinha e voltei para Curitiba. Depois disso, enfrentei meu primeiro tratamento para sair do vício.

Como foi essa primeira etapa da batalha contra as drogas?

Tinha 23 anos. Fiquei internado em hospital e passei duas semanas com acompanhamento de um psicólogo. Mas pouco tempo depois estava novamente fazendo uso de entorpecentes. Nesse ínterim eu consegui ficar recluso por certo tempo para estudar para o exame da OAB e fui aprovado. Mas seis meses depois eu pedi para ser internado novamente. Cada vez ia mais para o fundo do poço. Ficava algumas semanas sem usar nada, porém chegava a passar três dias fazendo uso direto de alguma substância.

E essa segunda internação surtiu efeito?

Foi fundamental, mas não a solução definitiva. Passei 40 dias internado em uma clínica em Curitiba. Consegui ficar seis meses limpo. Mas não tinha reconhecido de fato que era doente e precisava de ajuda. Acabei voltando com força para o uso de cocaína e álcool. Até que tive a notícia de que me tornaria pai.

Foi aí que se livrou do vício?

Sim. Fui novamente procurar ajuda e fui me tratar com ibogaína, que é uma substância extraída da raiz da iboga, arbusto encontrado em países africanos. Ela é usada para fins terapêuticos no país há dez anos. Uma psicóloga em Curitiba e um médico de São Paulo têm uma parceria para esse tipo de tratamento. Tentei e deu certo. Nunca mais usei nada. Mas não existe milagre. Faço terapia, frequento grupos e sou voluntário.

Como é agora estar do outro lado, combatendo o uso de drogas e buscando melhorias para o tratamento de dependentes?

Eu sempre quis ajudar as pessoas. Precisamos enfrentar a essência desse problema, que é se perguntar o porquê dessa fuga. Temos que conversar francamente com os jovens e tentar mudar esse cenário. Não adianta ficar apenas na teoria. Se continuar assim, estaremos enxugando gelo.

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6 ideias sobre “Um pouco de luz nas trevas do desconhecimento sobre a dependência de drogas

  1. Jose Maria Correia

    Cumprimento o Diogo, demonstra nobreza e generosidade ao se expor em uma sociedade hipócrita para ajudar com seu exemplo de coragem evdeterminação.

  2. Tonho Pé de Mesa

    Parabéns Diogo pela sua força e determinação !!
    Uma pena o que está ocorrendo neste final de semana, com o Hospital Bom Retiro.

  3. SFU

    Engrandecedores esses depoimentos de ex-dependentes das drogas, sejam elas quais forem. Lembro-me do depoimento do colunista, há poucos anos e, agora, este, ambos e outros mais quando surgem, merecem a admiração, o agradecimento e o apoio, por representarem lições a quem está na doença e pretende sair.

  4. Parreiras Rodrigues

    O meu depoimento é mais curto do que coice de porco.

    Eu bebia prá caraio. Mais duma garrafa de distilado/dia. Conhaque, estanhegue, vódica, pinga, uísque. E fumava. Dias 25 e 26 de julho de 2007, lá em Santa Isabel do Ivai, emendei um fogo que, pelo amordeDeus, Homero não o descreveria. Dia 28 viajei prá Curitiba. Eu e a dona da pensão. No dia não bebi na estrada e dai em diante até hoje. Internei alguns amigos meus, menos eu próprio. Não fiz terapia alguma, remédio nenhum, leitura ou mudança de religião – continuo católico/comunista, e até o presente momento, que quero seja eterno.
    Todo início de noite vou ao boteco do Roque bater sinuca e nem tium. Me parece que nunca bebi, nem fumei na vida.
    Sou muito amigo de Nossa Senhora de Fátima, desde os meus dez anos de idade, então, acredito que ela intercedeu junto a Deus Natureza por mim. A gente se gosta muito, sabe?
    Agora que eu fico admirado de caras como o Diogo Busse, o dono desse meu, teu, seu, nosso blogue, o ZéBéTo, isso ó se fico. Tô botando o Diogo também no embolado das minhas orações.
    E lá se foi mais um dia e óia nós aqui, sóbrios. Eita pega!

  5. Vinhoski

    Penso que o conceito de comunidades terapêuticas pelo entrevistado não traz luz à situação do tratamento e redução de danos.

    Há o padrão indicado pela ANVISA (RDC 101) que a imensa maioria das comunidades não chega nem perto de atender. E, olhando de perto, a ANVISA exige o mínimo.

    Sou favorável pelo subsídios públicos para o tratamento e redução de danos, desde que no mínimo se atenda as exigências da ANVISA.

    Por outro lado, investir em comunidades terapêuticas que possuem essencialmente a metodologia da catequização ou do evangelismo em detrimento de metodologias clínicas indicadas para a situação em discussão, é jogar dinheiro público para os vendilhões da fé. Neste caso, o CEBRID já pesquisou e identificou padrões dos resultados negativos em comunidades religiosas.

    Há um clamor público para ações públicas no combate e prevenção ao uso e abuso das drogas (lícitas ou ilícitas), contudo o enviesamento da emoção obscura o pensamento racional e ponderado que a situação requer.

    Devemos mudar o pensamento mediano perante as soluções disponíveis (e que deram certo) no Brasil e em outros países. Apelos da ignorância [argumentum ad ignorantiam: http://www.pucrs.br/gpt/falacias.php) defendidos pela imprensa mas que carecem de consistência ou de fatos concretos só reforçam que algo precisa ser feito, mas que (aparentemente) ninguém sabe por onde começar. Os programas jornalisticos (rádio e tv, principalmente) se fartam desta ignorância…

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