8:50E o povo, sabe votar?

por Célio Heitor Guimarães

Poucas vezes se viu uma eleição tão chocha como esta que se aproxima. Há um desinteresse palpável no ar. Os candidatos não empolgaram os eleitores e a disputa se resume ao resultado das pesquisas de intenção de voto. Mas é possível acreditar nos institutos de coleta da opinião pública? É claro que não. O passado não os recomenda. Salvo raríssimas exceções, não são confiáveis. Como entidades comerciais, trabalham sob encomenda. Mais: tais “pesquisas”, conduzidas por metodologias falhas e superficiais, prestam-se para induzir o eleitor, posto que no Brasil o eleitor tem a tendência de confundir eleição com corrida de cavalos e votar em quem supostamente está na frente ou eventualmente tem mais possibilidade de vitória. Um absurdo!

Com meu filósofo favorito, Rubem Alves, aprendi que votos e eleições dão a impressão de democracia. Porque votos e eleições são (ou deveriam ser) meios para que os ideais do povo se realizem. Só que, como também ensina Rubem, é aí que se encontra a delicadeza e a fragilidade da democracia: “para que ela se realize, é preciso que o povo saiba pensar”.

E – sejamos francos – pensar, lamentavelmente, não tem sido uma das atividades mais profícuas do povo – seja ele curitibano, paranaense ou brasileiro. Prova é a presença de tantos ratos na vida pública nacional. Povo que não pensa, não sabe identificar os ratos. E, inocentemente, vai abrindo buracos para que eles entrem. Através do voto.

Nesta época de eleição, antes de comparecer à urna, o eleitor deveria lembrar de “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, aquela deliciosa fábula aqui já referida, de uma fazenda onde a bicharada resolveu fazer uma revolução democrática contra o fazendeiro opressor. No final, enquanto o cavalo, que fazia o trabalho pesado, vai parar numa fábrica de mortadela, os porcos, na qualidade de líderes dos bichos, fazem uma aliança com o fazendeiro e acabam juntos no poder.

Tanta coisa ainda precisa ser aprendida pelo eleitor. Coisas elementares. Por exemplo: fugir dos milagreiros; dos fazedores de obras de véspera de eleição e que a cada obra inaugurada inauguram-se a si mesmos; das “novidades” inconsistentes; dos paus-mandados, sem luz própria; de administradores tirados do fundo da cartola; de candidatos pré-fabricados, sem passado ou ideologia, com programas de frases feitas e nenhum conteúdo; daqueles que se sustentam unicamente na popularidade derivada do rádio e da televisão. Estes se acham iluminados, protegidos pelo dom divino e, como tal, pouco se importam com o que pensa e quer o povo. Interessa-lhes, tão somente, a glória, o prestígio, o poder e os benefícios deles decorrentes.

Outra coisa básica: candidato, se não tem história, deve ter, pelo menos, nome e sobrenome e não se apresentar apenas como Zé do posto, João da banca, Maria da vila, Nelson da marmita e coisas que tais, a menos que seja mero figurante a serviço de interesses pouco dignificantes. Ou pobre pândego sem graça, tentando debochar da democracia.

De todo modo, uma das características do povo é a facilidade com que é enganado. E a melhor prova disso têm sido as eleições. Não se elege o melhor candidato nem a melhor proposta, mas a campanha mais bem elaborada, de imagens mais bonitas e sedutoras. E a isso também se costuma chamar democracia.

Por isso, tem horas em que o povo assusta o meu querido Rubem Alves. E, confesso, a mim também. Sempre procurei defender nos meus escritos – de reduzida importância, é bem verdade – o povo e as chamadas causas populares. Mas temo que os meus ideais tenham se perdido no meio da multidão. E o povo prefira continuar servindo de massa de manobra para espertinhos e espertalhões.

Na noite de domingo, teremos a resposta.

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5 ideias sobre “E o povo, sabe votar?

  1. antonio carlos

    Até hoje não entendi esta coisa de dizer que o povo não sabe votar. Sabe sim. Mas outra coisa que eu também até hoje não consegui entender, que democracia é esta que nos obriga a votar? Votar sim tigrada, porque eu preciso ir até a seção eleitoral só para exercer o meu direito de não querer votar. ACarlos

  2. Elton

    Parabéns Sr. Célio Heitor Guimarães pela clareza de ideias e pelo estilo com que nos apresenta seu ponto de vista. Bom fim de semana e até segunda, quando teremos uma ideia do quanto podemos dizer que o eleitor curitibano, que se acha melhor e mais politizado do que o eleitor nordestino – como geralmente ouço por aí -, como se o Nordeste fosse um bloco homogêneo. Só tenho certeza de uma coisa: um candidato que faz chantagem dizendo que o eleitor não deve colocar em risco a continuidade na atual administração, perde a credibilidade.

  3. josé ferrari

    Célio.

    Fico triste e preocupado com esta nossa realidade, as pessoas de maneira geral, parecem que desistiram ou nunca gostaram de exerecitar o pensamento; aliás, quando falo “pessoas de maneira geral”, estou falando tambem daqueles que pessam sim, mas para montar estratégias para perpetuar esta letargia humana que impera e domina da forma mais perversa o nosso povo, ou melhor, o universo.
    Será que o ser humano, inconscientemente se realiza na cegueira da burrice? Ou é um sintoma de que este mundo está prestes a entrar em colapso?

    Parabens pelo texto.

    Abraço.

    Ferrari

  4. jeremias, o bom

    É a velha ladainha do “eu sei votar bem e os outros não sabem votar bem”.

    Deus me livre daqueles que acham que “o povo não sabe pensar”.

    Esses são os perigosos, os nocivos, os cruéis. Ainda que ostentem asas de anjo e auréolas de santos.

  5. Célio Heitor Guimarães

    Ô jeremias! O povo unido, jamais será vencido!, não é? Peço a Deus que me livre desse povo, capaz de brados retumbante como este. Segundo Rubem Alves, acima citado, que estudou teologia a fundo e foi pregador protestante, até na Bíblia o povo e Deus andaram em direções opostas. Bastou Moisés demorar um pouco no topo da montanha para que o povo passasse a adorar um bezerro de ouro. Na Roma dos césares, os cristãos eram devorados pelos leões, na arena, sob os aplausos do povo. Aqui mesmo, em terra de Pindorama, o povo elegeu um certo Collor de Melo e comemorou nas ruas… Lembra-se?

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