8:11Eu não me conformo!

por Franco G. Rovedo*

Toda vez que há um acidente aeronáutico, a mídia faz um alvoroço. Divulga o nome do piloto, da companhia aérea, dos parentes das comissárias, do avião e tantos outros detalhes sórdidos e inúteis.  A cobertura é feita a exaustão. Um mês de circo, no mínimo.

O que me irrita é saber a quantidade de acidentes e mortes no trânsito que são simplesmente ignoradas ou colocadas como se fosse a notícia cotidiana mais comum e sem importância do momento.

Todo ano morrem no Brasil mais de 35.000 pessoas em acidentes de trânsito. Este número é apenas das pessoas que morrem no local do acidente. Muitas mais morrem no hospital ou algum tempo depois. Mais do que o triplo ficam incapacitadas temporariamente ou permanentemente.  Metade dos leitos hospitalares está ocupada por vítimas do trânsito eou seus pilotos malucos. Um massacre que se repete ano após ano.

Só como primeira comparação, a Guerra do Vietnã matou cerca de 60.000 americanos em dez anos, ou seja, 6.000 por ano de guerra. Uma ninharia perto da nossa estatística. Isto mostra que nossos guerreiros de automóveis são muito mais eficientes que os militares vietnamitas. Bastavam alguns motoristas bêbados infiltrados nas tropas dos Estados Unidos, e o Vietnã teria uma vantagem maior ainda.

Ironia a parte, é evidente que a irresponsabilidade e a impunidade são uma arma imbatível. Muito se fala de educação no trânsito, penas mais duras e outras medidas burocráticas. A verdade é que estas têm causado pouco impacto na diminuição do número de cadáveres espalhados pelo asfalto. Leis brandas e mal feitas, acompanhadas de falta de uma política séria de combate a estes assassinatos consentidos, banalizaram a morte no trânsito.

É aqui que eu me orgulho da aviação e do sistema de gerenciamento que nosso país utiliza. Mesmo que não perfeito, temos um dos índices de maior segurança por milha voada do mundo. Temos lugar garantido no conselho da Organização de Aviação Civil Internacional e, mesmo com as tragédias mais recentes, ainda temos prestígio da comunidade aeronáutica mundial. Principalmente pela comunidade aeronáutica não ser moralmente coniventes nas mortes por acidentes aéreos.  O rigor ao seguir as orientações e estudos sobre segurança de voo faz a grande diferença.

Mesmo com todos os problemas que a transição no comando e gerenciamento da aviação brasileira está passando, seguir as leis internacionais de segurança tem salvado centenas de vidas diariamente.

Todos devem se lembrar do acidente do voo 402 em São Paulo. Uma tragédia sem dúvida. Morreram 99 pessoas. As imagens foram chocantes e dificilmente esqueceremos aquela manhã de 31 de outubro de 1996.

Independente das causas que contribuíram com a queda do Fokker 100, certamente dentre elas não havia um piloto alcoolizado, tão pouco profissionais despreparados na aeronave e muito menos irresponsabilidade do comandante. Muito diferente do que sabemos encontrar em qualquer esquina da nossa cidade. Na maioria, jovens sem a educação e preparação necessária para dirigir uma máquina potencialmente fatal, somado ao uso de substâncias proibidas. A estatística, ironicamente, indica que,  no Brasil, para cada 1,32 milhão de passageiros de avião, um poderá morrer em acidente aéreo, enquanto mais de 265 poderão morrer no trajeto até o aeroporto.

Aqui está o verdadeiro assassino – e a maneira de derrotá-lo pode passar pelo conhecimento da aviação civil e seus regulamentos. Sempre que possível, demonstrarei e defenderei como o uso das normas de segurança e administração da aviação civil pode reduzir o número de acidentes de trânsito. Desde a formação de pilotos até as normas e métodos de prevenção de acidentes do meio aeronáutico serão um bom exemplo para as autoridades e para o cidadão consciente de que algo precisa mudar.

Portanto, prezado leitor, sempre que olhar no jornal um acidente com uma aeronave, antes de ficar horrorizado, lembre-se que o trânsito do qual você faz parte está “derrubando” um Fokker 100 TODO dia.

* Empresário, professor, piloto esportivo, paraquedista, graduado e pós-graduado em Ciências Aeronáuticas

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