6:11Kidão velho de guerra

por Célio Heitor Guimarães

Com o inesperado falecimento de Euclydes Cardoso de Almeida, na noite de sexta-feira, perdi um amigo e boa parte da minha história. Ele foi um dos meus primeiros parceiros de trabalho e de vida. Foi uma das melhores criaturas com quem tive o prazer e o privilégio de conviver. Aprendi muito com ele, com a sua criatividade e com a sua amizade. Fomos também companheiros de ideais e de sonhos, alguns impossíveis. Na sexta-feira 20, o bom Kidinho partiu de repente, saiu de cena de fininho, como fazia ao longo da vida, sempre que julgava conveniente. Deixou um grande vazio em nossos corações.

As novas gerações de comunicadores, apressadas, imediatistas e superficiais, muito provavelmente não têm noção da importância de Euclydes na história do rádio paranaense. Talvez tenham ouvido falar dele de passagem, sem maior interesse. Pois precisam ficar sabendo quem foi essa figura, de pequena estatura física, mas de enorme dimensão pessoal e profissional.

Euclydes Cardoso era uma lenda viva do rádio paranaense, citado e festejado por dez de cada dez radialistas dos últimos 50 anos. Foi amigo, professor e conselheiro de todos. Participou dos grandes momentos da radiofonia paranaense, inovou a arte de fazer rádio e consolidou perante a opinião pública emissoras como as AMs Guairacá, Cruzeiro do Sul e Independência, e as FM Brasil 104 e Iguaçu, todas elas, infelizmente, hoje fora do ar. Mas nem por isso perdeu a ternura e o modo simples de ser.

Começou na portaria da velha Guairacá de Aluízio Finzetto, Ivan Curi, Humberto Lavalle, José Wanderley Dias, Lourival Portela Natel e Nhô Belarmino e Nhá Gabriela, e foi, muito provavelmente, o melhor porteiro que “A Voz Nativa da Terra dos Pinheirais” teve. Depois, foi cuidar da discoteca e da programação da emissora e passou a produzir programas líderes de audiência, como o inesquecível “Aí Vem o Sucesso!”, a mais famosa parada musical do rádio local. Por fim, dirigiu alguns dos mais consagrados prefixos da capital, sempre criando, aperfeiçoando e valorizando o veículo. Nos últimos tempos, andou prestando serviço à E-Paraná. Era formado em filosofia e Direito, mas a sua vida era mesmo o rádio.

Com Gilberto Fontoura, Euclydes provou que é possível fazer rádio, de prestígio e boa qualidade, com uma programação exclusiva de música popular brasileira. Foi na FM Brasil 104, de saudosa lembrança, que ganhou prestígio nacional e virou ponto de referência de artistas de todo o país. Na Iguaçu, de Paulo Pimentel, que acompanhou até o suspiro final, quando a emissora foi abatida pela estupidez dos acólitos da ditadura militar, despoluiu a programação, limpou o som, tirou do ar os irritantes “jingles”, limitando a propaganda a texto lido pelo locutor, e aproximou a estação da cidade, com referências simpáticas, como “Na Curitiba do Passeio Público, tantas horas” ou “Na Curitiba do XX Congresso Nacional de Cardiologia, tempo bom, temperatura de tantos graus”. Coisas simples que faziam toda a diferença e já não se faz mais.

Não sei em qual das emissoras pelas quais passou Euclydes Cardoso foi mais Euclydes Cardoso. Ouso, no entanto, supor que em todas elas. Euclydes sempre foi Euclydes. Profissional competente, sério, caprichoso, dedicado ao extremo, fazia do local de trabalho uma extensão do próprio lar. Aliás, passava muito mais tempo na rádio do que em casa. Tinha paixão pelo que fazia e vibrava com o resultado.

Mas mais do que um excelente profissional, Euclydes Cardoso era ótimo caráter, bom de papo, dono de fino humor, mesmo nas piores situações – e enfrentou muitas, algumas de caráter particular.

Era, sobretudo, um sonhador. Infelizmente, não conseguiu completar o último grande sonho: a consolidação do Instituto da Comunicação e da Memória, que acalentou com tanto carinho e entusiasmo, uma instituição privada, sem fins lucrativos e sem nenhuma interferência governamental. Queria fazer aquilo que os governantes deveriam, prometem, alardeiam, mas jamais realizam. Pelo menos com seriedade, eficiência e continuidade: reunir o acervo histórico ainda existente e preservar para as futuras gerações a memória de alguns dos principais meios de comunicação, como o rádio, a música, a televisão, o teatro, o rádio-amadorismo, os jornais, livros e revistas, a publicidade, o circo, etc.

Como também não visava vantagem pessoal e sabia não ser eterno, precisava partilhar a ideia com entidades públicas ou de ensino superior, a fim de preservá-la para a posteridade. Não encontrou parceiros sinceros e sérios. Faltou sensibilidade e interesse. Cultura e preservação históricas não fazem parte dos planos dos mercenários de plantão. Agora, não se sabe o que será do acervo que já reunira.

Euclydes Cardoso fará muita falta, muito mais do que a sua ausência já está doendo em nós, seus amigos.

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2 ideias sobre “Kidão velho de guerra

  1. bianca(filha de euclydes)

    Agradeço imensamente pelo carinho ao meu pai!!
    Tenho certeza que com tanto calor humano…mesmo la do alto ele ficou feliz…dando um sorriso humilde como sempre!!
    Fica a minha dor por ele nao estar mais aqui,e por nao terem nos deixado dar o ultimo adeus,pessoas que nao respeitaram familiares e amigos,pessoas que realmente o amavam e que por amor e direito queriam dar um ultimo adeus…prestar uma ultima homenagem…pois é isso que ele merece!!! como pode ne…apenas 2 pessoas prejudicarem mais uma vez atraves de atos mesquinhos e pobres de espirito,meu pai…eu…minha mae…uma das irmas e todos os amigos.
    deixo aqui meu telefone para lhe passar informaçoes sobre a missa que sera nesta quinta feira. quem me ligou foi Carlos Alberto Pena dizendo que me ajuda para fazer uma homenagem a ele entao aproveito e peço a sua ajuda tambem.
    Grata,
    Bianca ( 9866-4826)

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