6:40Um pouco mais de Jair

por Célio Heitor Guimarães

Pois é, lá se foi o nosso bom Jair Brito. Na noite de sábado, desligou o transmissor, cerrou as cortinas do estúdio e saiu do ar. Em silêncio, tomou rumo da eternidade, deixando todos nós, seus amigos, companheiros de jornada e discípulos, um pouco órfãos.

Contei aqui que ele estava doente, internado em Taubaté, SP, terra de Hebe Camargo, Mazzaropi e da turminha lobatiana do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Achávamos que enfrentaria com garra mais esse desafio e logo estaria em forma, pronto para novas realizações. Desta vez, não foi possível. E estamos todos sentidos. Ele era uma estrela fulgurante da radiofonia brasileira e sua ausência ainda doerá muito.

Zé Beto publicou ontem a notícia do falecimento, através de mensagem enviada ao blog por Marilze dos Santos Brito, filha de Jair com Evanira dos Santos, uma das melhores cantoras populares que o Paraná já conheceu e primeira mulher do radialista. E teve a gentileza de reproduzir o texto que escrevi sobre Jair na terça-feira 22.

No entanto, se o nosso ZB não se opuser, gostaria de me ocupar um pouco mais com Jair Brito, que ele bem merece:

Jair Brito

Catarinense de Joinville, Jair iniciou sua carreira radiofônica em 1951, em Curitiba, na Rádio Clube Paranaense, a pioneira PRB-2, instalada na Rua Barão do Rio Branco, como operador de som e auxiliar de discotecário. Tinha então 13 anos de idade. Dois anos depois, transferiu-se para a vizinha Guairacá, ZYM-5, outro tradicional prefixo curitibano. Ali foi sonoplasta, discotecário e programador musical. Depois, desembargou na Colombo do Paraná e, em seguida, desenvolveu a nova programação da Difusora Ouro Verde, integrante do mesmo grupo de comunicação. Mas deixemos que o próprio Jair narre a sua participação na Ouro Verde, como o fez, algum tempo atrás, para o colunista Dante Mendonça, do extinto O Estado do Paraná:

“Foi uma pequena emissora que se tornou grande e liderou a audiência em Curitiba, no fim dos anos 50 e início dos anos 60. Tocando só música, ou melhor, tocando ‘só boa música’. Em 1958, fui contratado como programador musical da Rádio Colombo, do radiodifusor Ronald Stresser, que também era concessionário da Ouro Verde. Com apenas alguns meses de trabalho na Colombo, Ronald me fez um desafio: colocava nas minhas mãos o futuro da pequenina Ouro Verde, que falava com 250 watts para a Praça Tiradentes e ‘cochichava’ para alguns bairros da cidade. Ocupava acanhadas dependências: a técnica e o estúdio de locução não tinham nenhum tratamento acústico.

“Ronald Stresser já havia tentado todo tipo de programação para a Ouro Verde, até de rádio 100% esportiva, sem nenhum sucesso. Penso que ele estava ‘nem aí’ para o que pudesse acontecer naquela desconstruída rádio ao me oferecer a sua direção, desde que dedicasse parte de meu tempo à Colombo. De Ronald, obtive a promessa de alguns investimentos em equipamentos modernos para o estúdio e de um novo transmissor, mais potente. De 250 watts para 1 kilowatt, foi um pulo. Minha programação de ‘só música, boa música’, informação e hora certa começava a incomodar as outras emissoras. No Carnaval de 1960, conseguimos novas dependências da emissora num primeiro andar inteiro e um novo transmissor de 5 kilowatts, de alta fidelidade absoluta”.

Na Ouro Verde, Jair Brito criou o “Pick-Up Automático” – uma hora de apenas música, sem intervalos nem comerciais. E revolucionou o rádio com “Domingo sem Futebol” e a mesma receita. Como todas as emissoras da cidade apenas se dedicavam ao futebol, ninguém acreditou na ideia. Mas logo todos levaram um susto: a cada semana, a audiência aumentava mais.

Em 1963, quando Kalil Maia Neto e Jorge Nassar criaram a Rádio Independência, Jair Brito foi chamado para a direção-geral. Com Elon Garcia na direção comercial e uma das melhores e mais ecléticas equipes de profissionais, o sucesso não se fez tardar. Foi a primeira emissora a permanecer 24 horas por dia no ar, sem interrupção, sustentada por uma bem dosada programação musical, noticiosa e esportiva. Ali marcaram presença, na primeira fase, entre outros nomes, Paulo César, Tônio Luna, William Sade, Camilo Jorge, Martins Rebelato, Manoel Wambier, Sylvio Ronald, Antônio Cury, J. Pedro Correia, Ivan Budal, Rosa Maria Chiamulera, Antenor Santos, Edson Militão, Ney Costa, Machado Neto, Paulo Branco, Walmor Marcellino, Reinaldo Camargo e, modestamente, o locutor que vos escreve. O esporte era comandado por Willy Gonzer, que também apresentava o Repórter Petrobras.

Em 1967, a velha Bedois amargava período de franca decadência, em 7º lugar na audiência. E lá foi Jair Brito, juntamente com Renato Mazânek e Pedro Augusto Schwab, ver o que poderia ser feito. Conta Mazânek que encontraram uma emissora em total abandono, com o parque de transmissão totalmente deteriorado, funcionando com potência reduzida, apenas para não ficar fora do ar. Pois, com fôlego novo, em três meses, a emissora pulou para o 2º lugar e logo assumiu a liderança. Uma de suas façanhas foi acompanhar a primeira e a segunda excursões do Coritiba FC pela Europa, com 12 transmissões internacionais, via satélite Intelsat, da Embratel. A primeira temporada foi narrada por Ney Costa e a segunda por Aírton Cordeiro. E olha que Jair era atleticano!…

O sucesso levou Jair Brito a São Paulo, como Coordenador Geral de Programação da Rádio Bandeirantes, onde criou, entre outros programas, “O Pulo do Gato”, o segundo mais antigo da emissora paulista ainda no ar.

Em 1975, Jair fez uma incursão pelo rádio riograndense, dirigindo a Gaúcha, de Porto Alegre. Em um ano e meio, a emissora deixou o 9º lugar para ocupar o 2º lugar na preferência popular.

Em 1977, nova missão foi oferecida a Jair Brito: transformar a Rádio Nacional de São Paulo em Rádio Globo. Ali, entre outros tentos marcados, lançou a equipe esportiva do “garotinho” Osmar Santos, sucesso absoluto de audiência.

Mas ele não se limitou ao rádio. Foi produtor de TV, na capital paulista, atuando no “Programa Ferreira Neto” (coordenou o primeiro debate político realizado na TV brasileira), no SBT; no programa da Hebe e “Crítica e Autocrítica”, na Bandeirantes; e em “Vamos Sair da Crise”, na Gazeta.

Ultimamente, Jair Brito vivia em Ubatuba, no litoral de São Paulo, mas ainda atuava como assessor de projetos especiais para o rádio e a televisão. E mantinha um olho e o coração no rádio paranaense. Quando soube – através de texto do Jamur Júnior, publicado pelo Zé Beto –, do encerramento das atividades da Clube como emissora geradora, passando a ser mera retransmissora da Eldorado paulista, Jair desabafou:

“Sei que algumas emissoras de Curitiba perderam a identidade e agora falam com sotaque “carioca” ou “paulistano”, por força de gestões desastrosas, por comodismo ou mercantilismo. Na realidade, quase sempre os perdedores são radialistas, jornalistas e técnicos que passam a ter menos possibilidade de emprego, especialmente numa capital na qual, por falta de bons empresários, o mercado radiofônico sempre foi muito escasso e com baixos salários. (…)

Jamais imaginei que um dia a Rádio Clube Paranaense pudesse ser atingida por uma ‘tempestade’ como essa: passar de geradora importante a simples retransmissora. As Redes que invadem o rádio brasileiro, sem nenhum controle por parte do Ministério das Comunicações, o qual deveria fiscalizar com firmeza as ações dos empresários de radiodifusão, estão acabando com a simbiose das emissoras afiliadas com o público ouvinte da cidade onde elas têm sede. Os dirigentes dessas afiliadas, atraídos pelo jeito barato de fazer rádio, esquecem de que, na maioria das vezes, centenas de profissionais levaram muitos anos para construir esse elo, rádio/comunidade, mão dupla que não tem preço. Quantas gerações de pessoas cresceram ouvindo a Rádio Clube Paranaense ao longo de sua trajetória, a qual supera 80 anos? De pai para filho… o hábito de audiência transferido, uma fidelidade invejada pelas emissoras concorrentes”.

Assim era Jair Brito, que sábado encerrou as suas atividades, deixando um imenso vazio em seu lugar. Só não estranhem se, logo, a Rádio Céu tiver a sua programação reformulada…

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12 ideias sobre “Um pouco mais de Jair

  1. Jeremias, o bom

    Texto muito bom. Parabéns!

    Jair Brito merece todas as homenagens do povo curitibano. Foi um profissional do radio que sempre compreendeu e entendeu as necessidades do público ouvinte.

    Um grande realizador.

    Pena termos as radios que temos hoje, todas se desmilinguindo em programas pseudopoliciais e pseudorreligiosos..

  2. Carlos Cunha

    Meu grande mestre e, principalmente, um fraternal Amigo. Certamente a Rádio Céu será totalmente reformulada. Jair: fique com Deus. Carlos Cunha

  3. walter schmidt

    Caro Célio: o seu execelente texto é uma bela e justa homenagem ao grande Jair.

  4. Marilze dos Santos Brito

    Agradeço imensamente Célio Heitor Guimarães, esta homenagem a este homem em que a radio corria nas veias!!!!

  5. Flavio Guimaraes

    Caro Célio

    Fui informado, nesta terça-feira, 29 de maio de 2012, sobre a morte de Jair Brito, ocorrida no sábado, 26. A portadora da notícia foi Marilze, filha de Jair, através de comentário em matéria de meu blog, em que fiz uma retificação a pedido de Jair.

    Marilze deixou um link, no comentário, que me conduziu para cá. Farei uma postagem de despedida ao grande companheiro e vou citar seu artigo. Você faz um relato basante bom sobre a vida profissional e pessoal de Jair Brito e seu texto deve ser lido por todos os que conheceram este catarinense batuta, notabilizado também no Paraná e em outras praças nacionais, seja como colega de profissão, seja como ouvinte.

    Seu artigo me trouxe à lembrança, também, o corretíssimo e brilhante Ney Costa, companheiro de rádio Bandeirantes, e uma das vozes mais límpidas e cristalinas do rádio brasileiro. Certamente a ida de Ney para São Paulo teve o “dedo” de Jair, com quem já trabalhara no Paraná.

    Uno meus sentimentos aos daquelas incontáveis pessoas, por todo o país, que, como eu, lamentam o desaparecimento de Jair Brito.
    Para nós, profissionais e ouvintes que já foram desta para melhor (e mesmo para os que ainda irão), resta o consolo de saber que a Rádio Céu, com certeza, vai subir para a ponta dos indicadores de audiência.

  6. Flavio Guimaraes

    Beto, por favor, corrija a palavra “bastante”, na terceira linha do segundo parágrafo de meu comentário. Um descuido me fez digitar “basante”, lamentavelmente.

    Conto com sua presteza e gentileza.
    Abração,

    FG

  7. Luciano Amaral

    Jair de Brito merece todas as homenagens dos profissionais do radio paulistano, profissional competente e amigo, tive o prazer de trabalhar ao seu lado na Rádio Bandeirantes e Rádio Globo-SP, foi muito importante em minha carreira profissional.Saudades Jair de Brito.

  8. João Carlos Amodio

    Eu sou aquele ouvinte anônimo, que não deixava de ouvir “Pick-up automático, Domingo sem futebol, enfim era só Radio Ouro-verde que eu e meus amigos da época ouvíamos, com certeza Jair já está apresentando soluções de como melhorar a Rádio do Céu.

  9. zebeto

    caro flavio, é impossível mexer em texto de comentário. se não for pedir muito, envie outro, com a alteração, e eu deleto aquele primeiro. obrigado. abraço. saúde.

  10. Flavio Guimaraes

    Sem problema, Zebeto. Meu pedido já tem a função de alertar ao leitor sobre o erro de digitação que cometi. De qualquer forma, agradeço sua atenção. Abraço,

    FG

  11. Maricelia Brito

    Agradeço a todos pelas manifestações de carinho, e lá na Rádio Céu já começaram as mudanças, pois o nosso JB ainda tinha muito talento profissional, que não foi aproveitado nas rádios aqui da terra, por conta do modelo clichê de radiofonia a que temos que nos submeter….(ou não)
    Onde quer que ele esteja, saberá que sempre terei muito orgulho em ser sua filha!!!! Até um dia meu pai!!!!

  12. NELSON RUBENS

    OK!OK! Jair Brito… Você foi visto – sempre foi visto criando, estimulando, provocando, os profissionais que liderava. Trabalhei com o Jair na virada da Nacional/Globo para Rádio Globo de SP. Ele orientava com categoria: “Fale de vc, sim, ao ser entrevistado. Mas revele o q sabe dos famosos…” Faustão temia sair da Jovem Pan – pra trabalhar com Osmar na Globo-Nacional. Brito pediu: “Diga, Nelson, na sua coluna, que ele ficará só no Estadão..” Foi assim q Faustão saiu da Pan, deixando a porta aberta, e virar uma estrela global, hj. A última vez q falei com JB , há anos, foi pelo telefone: queria fazer algo na RedeTV!. Fiquei feliz de saber q morava na praia… Agora vai comandar uma equipe na Rádio Céu – talvez mandando para a terra (e para os amigos) um sinal: “aquela nuvem que passa, sou eu…” Sem chiado… À familia Brito, desejo muita paz e belas recordações…
    Nelson Rubens (jornalista e radialista, de coração)- TV FAMA – RedeTV!

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