por José Maria Correia

Assim era o advogado EMILIO MAURO BARBOSA.

Fomos colegas vereadores de Curitiba de 1982 a 1988.

Emilio em sua juventude foi um dos fundadores do MDB, o velho partido de oposição à ditadura, o MANDA BRASA como era conhecido.

Percorreu todos quatro cantos do Paraná com os pioneiros José Richa, Álvaro Dias, Leite Chaves, Enéas, Fruet, Alencar Furtado, seus amigos Sylvio Sebastyiani, e Nestor Baptista e outro punhado de abnegados e destemidos lançando as bases do partido e correndo todos os riscos de quem se opunha aos militares que eram capazes de tudo para manter a ARENA como maior partido do OCIDENTE ao lado do PRI mexicano.

Nessa época na foram poucos os militantes do MDB que foram presos, sequestrados, exilados torturados e assassinados.

Emilio além de corajoso era um cavalheiro, tinha boa estampa e nas nossas rodas da boêmia do antigo Hotel colonial foi apelidado pelo presidente da confraria o velhote Perly de DOC HOLLIDAY, o legendário pistoleiro do velho oeste, companheiro do xerife implacável WYATT EARP.

O Perly, amante do cinema e bom observador achava o Emilio a cara do ator KYRK DOUGLAS, além do mais como o personagem, Emilio também apreciava um scotch cowboy e um roda de poker, o jogo dos homens inteligentes.

Uma ocasião Emilio estava disputando a presidência da Câmara Municipal com outro vereador o Horácio Rodrigues.

Viajamos juntos para um evento promovido por vereadores progressistas no Rio de Janeiro, Emilio na época estava muito parecido com o Senador pernambucano, líder do PMDB, Marcos Freire.

O senador era admirado por todos no Brasil por ser um dos mais brilhantes oradores que já passaram pelo congresso, era um forte candidato à Presidência.

O Emílio ficava evidentemente faceiro quando alguém o confundia com o líder maior do partido.

Gozador e muito estimulado por mim, não perdia a oportunidade de receber os cumprimentos que lhe eram dirigidos de quando em quando.

Pois bem, como não podia deixar de ser, em uma das noites livres de reuniões lá na cidade maravilhosa resolvemos ir conhecer a boate HIPOPOTAMUS, o reduto das cariocas mais lindase sofisticadas.

A casa muito luxuosa do rei da noite Ricardo Amaral era dirigida pela socialite DANUZA LEÃO, irmã da cantora NARA e que havia sido esposa do SAMUEL WAYNER, dono do jornal ULTIMAHORA e que por ela foi trocado pelo genial compositor ANTONIO MARIA cuja feiura eraproporcional a beleza das letras que escrevia.

O casal chegou a ser conhecido como A Bela e a Fera.

Mas voltando ao HIPOPOTAMUS, havia um problema a ser contornado, a casa era um clubeprive frequentado por milionários e só aceitava sócios e com carteirinha e fotografia.

O Emilio me convocou para a parada e disse com a maior tranquilidade,” vamos entrar, deixepor minha conta”.

Lá pelas 23 horas chegamos à portaria, havia um tapete vermelho na calçada da Praça Nossa Senhora da Paz em Ipanema, de cada lado do tapete um corredor com cordas vermelhas epilares dourados e guarnecendo a enorme porta dois gigantes de ébano com os indefectíveis ternos pretos.

Emilio Mauro estava com um terno de riscas, gravata italiana e tinha uma bela e vasta cabeleira idêntica a do Senador.

Tomou a frente e avançou com toda autoridade quando um dos seguranças tipo armários ointerrompeu:- “Sua carteira de sócio por gentileza cavalheiro “.

Nosso vereador não se intimidou, afinal curitibanos não nasceram para serem barrados.

Respondeu na lata e com a voz empostada, “Não está me reconhecendo meu filho ? SenadorMarcos Freire”.

O segurança imediatamente abriu a porta com um “ queira desculpar , seja muito bem-vindo Senador.”

Emilio adentrou com firmeza e eu ao tentar segui-lo fui contido com rispidez e uma mão dotamanho de uma bola de boliche no ombro.

Emilio Mauro estava inspirado, simplesmente ordenou: “Liberem meu segurança “.

Já no interior do clube nos deslumbrávamos com as presenças das beldades da época , Ionita Guinle , Ilka Soares, Regina Rosemburgo, as estonteantes Christianne Torloni , Betty Faria e até a Bianca Jaegger , mulher do roqueiro dos Rolling Stones.

O Emilio cheio de razão aproveitou a oportunidade e me colocou em cheque –mate: “EntãoZé Maria, depois dessa moral ganhei seu voto para Presidente da Câmara”.

Decidi continuar a brincadeira , e respondi – “ Se você passar no último teste meu voto é seu e ainda serei seu cabo eleitoral “ .

O Emilio que já estava com uma garrafa de Dimple na mesa topou e eu propus o teste;

A Danuza Leão estava sentada elegantemente no bar e ainda com o mesmo porte de manequim da casa Dior .

Eu encontrara a oportunidade e disse , “Emilio se você conquistar a Danuza você terá o meu apoio”.

O Emilio chamou o maitre e ordenou “convide a Danuza para tomar um drink conosco”.

O maitre solícito perguntou- “ a quem devo anunciar cavalheiro ?”

A resposta dessa vez foi minha , “ O senhor não está reconhecendo o senador Marcos Freire?”

O maitre desculpou-se e foi até a Danuza que aparentemente sofria de miopia e deu o recado .

A pantera veio até a nossa mesa com toda a classe e foi logo abrindo os braços, “Marcooosss”.

Deu um beijo no rosto do Emilio que retribuiu , ela então sentou-se, colocou os óculos e surpresa exclamou , “mas que vexame você não é o Marcos Freire “

Tentei consertar, -“Danuza acho que foi confusão do maitre, somos amigos do Marcos”.

A bela diretrice não se fez de rogada e voltou as suas tarefas, e o Emilio ficou desolado por não ter tido êxito no teste.

No final demos boas risadas e o Emilio que era mesmo um gentleman no dia seguinte fez questão de passar em uma floricultura e mandar um buquê de rosas pedindo desculpas para Danuza pela pequena e bem humorada confusão.

Deixamos de ser vereadores mas nunca deixamos de ser bons amigos e nem perdemos o bom humor , sempre repetíamos , temos que brincar com a vida já que ela brinca tanto conosco .

Tínhamos em comum o amor pela política transformadora e também o fato de desapegados de bens materiais morarmos nas mesmas casas desde que iniciamos na política enquanto outros fizeram fortunas inexplicáveis em tempo bem menor .

Ultimamente nos víamos menos , eu notava que Emilio não andava bem de saúde , penso que o tabagismo o tenha prejudicado bastante,não sei se foi isso .

Nesta segunda-feira ao abrir o jornal lá estava em lacônicas linhas a notícia de sua partida para outro plano.

Mais um bom amigo que se vai prematuramente .

Que fazer ?

É o inelutável .

Arou em solo fértil , rasgou a essência da terra com a força da oposição que é o sal que tudo vivifica , impulsionado sempre pela força da fé transformadora em tempos muitos difíceis .

Ficam as lembranças , as saudades da audácia da juventude e de uma época de nunca mais .

Mas acima de tudo de uma bela figura humana.