6:43Fechou a Curitiba onde vivi

de Ubiratan Lustosa

Fechou a Curitiba onde vivi.
Só não fechou este meu tempo de guri.
Para meus amigos curitibanos e os importados de longa data!!!
A gurizada de hoje não sabe o que é.
Fechou a Curitiba onde eu vivi
Só não fechou este meu tempo de guri.
Viu, guria !
Saudade da Curitiba dos meus tempos de guri.
Das partidas do “bete-ombro”.
Do jogo de tique.
De pular corda e amarelinha riscada de giz na calçada.
Do jogo de búrico ( bolinhas de gude, de vidro…)
Fidusca em pó, Maria Bodó.
Dos treinos no campinho com as bolas de “capotão” da Casa Walter.
Saudade do jogo do bafo com as Balas Zequinha.
Tinha Zequinha Médico.
Zequinha Radialista.
Zequinha Motorista.
Zequinha Papai Noel ( a mais difícil, quase não saía ) .
Tinha até Zequinha Ladrão.
As figurinhas embrulhavam aquelas balas ruins, que ninguém chupava, mas que divertiram muito a piazada.
No jogo do bafo era proibido cuspir na mão.
Saudade dos balões de São João que iluminavam as noites frias da Curitiba
dos meus tempos de guri.
Era Balão Caixa, Balão Mimosa, Balão Cruz.
De todos os tamanhos e de todas as formas.
Tinha uns grandes, tão grandes que até os bombeiros vinham ajudar na hora de acender a tocha.
Os soldados vinham, erguiam a escada, seguravam a copa, o baloeiro acendia a tocha, o fogo ardia e o balão subia, espargindo parafina incandescente sobre a Curitiba dos meus tempos de guri ( nunca ouvi falar que um balão tivesse provocado incêndio! ).
Das raias ( pipas, pandorgas ) que esvoaçam pelos campos da Galícia.
Éramos felizes os piás de Curitiba.
Espremidos nas calças curtas os piás e as meninas nas suas saias de sarja azul marinho,
toda pregueada, como mandava o uniforme escolar, levavam para a escola um punhado de bolachas Duchen e meia garrafa de Capilé.
Às vezes, Crush ou Mirinda.
Quando não, um suco de uva Grapete.
Ou gasosa de framboesa da Cini.
Prá variar, Minuano.
Tinha uns que levavam Bidu-Cola ou Guaraná Caçulinha, com bolacha Maria.
Aos domingos, faceiros, no terninho de marinheiro das Lojas Mazer, iam à matinada
do Cine Ópera para ver Tom e Jerry.
As meninas, gabolas, enfeitadas em suas saias godê, da Joclena, blusinhas da Mazer,
uma loja infantil ao lado da Gomel, na Praça Tiradentes, ou com vestidinhos da Maison Blanche.

Para os sapatos tinha a Cirandinha.
Piá nenhum admitia vestir o tal de brim coringa não encolhe, aquele tecido azulão grosso,
especialmente para macacão de mecânico,
que hoje chamam de jeans.

As meninas vestiam tafetá ou veludo, também em festas, os vestidos godê ponche feitos de organdi suíço.
Os meninos, terninhos de casemira.
Quando muito, camisa Volta ao Mundo e calça de Tergal.
Piás felizes chutando bola, descalços,
sobre as rosetas dos campinhos por todos os lados.
Esse tempo acabou, assim como acabou a Modelar, a Casa Rosa, a Casa Vermelha,
a Casa Sade…
Não tem mais a Casa da Sogra do Aron Ceranko, presidente do Ferroviário
(que também não existe mais).
Não tem mais a Casa da Pechincha.
Desapareceu o Louvre do Kalluf .
Cadê seu Jamil e seu Miguel e a Capital das Modas?
Não tem mais a Casa das Meias do telefone 66-6666, nem o 444 da Barão.
A Casa Edith, acredite, ainda tem, mas os chapéus Prada não vende mais.
E a Três Coelhos, em que cartola se meteu?
Não tem mais Móveis Cimo.
Já não se ouve mais o apito da Fábrica Lucinda.
Mudou a Casa Feres, pequena por fora e grande por dentro .
As Casas Lorusso, suba que o preço desce , também desapareceram.
Fechou a Casa Dico  – Fique Rico comprando na Dico –
A Joalheria Pérola, do Kaminski,
a Importadora Americana, do Marcos Salomão Axelrud, que vendia o Simca Chambord e o Simca Rally.
E as casas suspeitas da Uda e da Otília ?
Desapareceram o Frischmann´s Magazine,
assim como o Chocolate Basgal, da Tiradentes.
Não tem mais a Tarobá, do Pedro Stier, em cujas vitrines o pioneiro Nagib Chede exibiu o primeiro programa de TV do Paraná, projetado diretamente do último andar do Edifício Tijucas.
E o povo encantado via o Jamur em preto e branco, contando as notícias do dia.
Não tem mais o Cine Curitiba onde os piás trocavam gibis do Capitão Marvel, pelos X-9 do Monte Hale.
Cadê o Cine América, o Palácio, o Avenida,
o Ribalta, o Oásis, o Rívoli, o Vitória, o Curitiba,
o Marabá, o Luz, o Arlequim, o Ritz?
Até os filmes do Morguenau e do Guarani chegaram ao fim.
Acabaram as matinês do domingo à tarde.
Se você aprontava durante a semana lá se ia a matinê de domingo.
Era ficar na janela vendo os amigos irem, com um monte de gibis embaixo do braço.
Lembram que quando o mocinho beijava a mocinha todo mundo fazia barulho com os pés no assoalho de madeira do cinema?
Não tem mais o bar Pigalle.
Nem o Massalândia Roma, do seu Francesco. D’Angelis, ali na praça Osório.
E a Panificadora Berberi na esquina da Trav Oliveira Belo com Rua XV?
E o Lá no Luhm, da Barão?
E a Charutaria Liberty, na esquina da XV com Monsenhor Celso, para onde se mudou?
O Hermes Macedo – do Rio Grande ao Grande Rio – também acabou…
E o Prosdócimo ?
Não vejo mais as Óticas Curitiba, dos Irmãos Barbosa.
Onde foi parar a Casa Nickel, que vendia Chevrolet ?
Desapareceram a Casa Londres e a Ottoni.
O Lord Magazine, onde se comprava o esporte-fino para ser exibido nos chás-dançantes de Medicina e Engenharia.
A Slopper também acabou.
Mesmo fim levaram Calçados Clark, Lojas Ika e Pugsley.
Acabou-se o Café Alvorada do Senadinho.
Fechou o Ouro Verde, onde nasceu a Boca Maldita.
Nem Café Marumby, nem Café Piraquara tem mais.
Apagou-se o neon da Caixa Econômica, na Praça Zacarias, com as moedinhas correndo e caindo no cofrinho.
E a Farmácia Minerva, que vendia Zig e Mercúrio-Cromo e também pasta Kolynos, creme dental Eucalol e sabonete Lifebuoy.
Será que ainda existe o Talco Ross ?
E o Rum Creosotado ?
E Auricedina?
E a Pomada Minâncora?
E o Vinho Reconstituinte Silva Araújo?
E o Regulador Xavier : número 1 excesso
número 2 escassez.
E Antissardina ( o segredo da beleza feminina ).
E o Creme Rugol.
E as Pílulas de Vida do Doutor Ross – fazem bem ao fígado de todos nós – ?
Nem a Stellfeld, do relógio de Sol sobrou,
com suas prateleiras repletas de Cibalena, Varamon e Cafiaspirina, Glostora e Gumex.
Só o relógio de Sol resistiu, como a testemunhar os meus tempos de guri.
Saudades do time infanto-juvenil do Juventus
o moleque do Batel do técnico Tuca, do Sabá, dos Cava, do Tonico, do Paulinho, dos irmãos Popadiuk, do Roberto italiano …
No Edifício Azulay ficava a Musical .
Ali também ficava a loja de calçados Pisar Firme. A Clark também ficava lá, assim como a Farmácia Colombo.
Eo curso W.Abreu, preparatório para Direito ?
E o Curso 19 de Dezembro ?
Fechou o Banco de Curitiba, quebrou o Banestado… E o Bamerindus foi vendido…
Cadê o Colégio Parthenon, o Iguassu ( pagou, passou! ) da Praça Rui Barbosa?
E o Colégio Cajuru ?
Por onde andarão as suas alunas, tão bonitas e invejadas ?
E as meninas do Sion com suas saias cor de vinho?
E as normalistas do Instituto de Educação por onde andarão?
Acabaram-se as empadinhas da Cometa e os queijos da Casa da Manteiga.
No Mercado Municipal tinha o Manquinho, da Mercearia Sulina. Só vendia o que era de primeira . Ele mesmo dizia: “Aqui presunto, se quer mortadela, vai em outro”.
A coalhada da Schaffer, servida pelo seu Milton,
o Toddy da Leiteria Viana, e o pão sovado da Berberi, em que forno se enfornou ?
Por que não tem mais Milo para beber com leite, era tão gostoso !
E a pastelaria Ton Jan, da Marechal ?
Tinha pastel de carne e de palmito. E também o especial, com ovo e azeitona.
Fechou a Churrascaria Bambu, a Tupã.
Até a Caça e Pesca fechou.
Alguém se lembra do Mitóca ?
Não tem mais o açougue Garmatter e nem o Francês.
E o piá de pedra fazendo xixi na frente do Posto Garoto, cresceu?
E a pérgola na Travessa Oliveira Belo que os Bombeiros mandaram retirar ?
Acabou-se o rabo-de-galo do Bar Americano
e não tem mais a carne de onça do Buraco do Tatu. Nem o filé completo da Tingui.
Nem a dobradinha do Restaurante Rio Branco.
Do pastelzinho do Pasquale, nas manhãs dos sábados no Passeio Público, restou a saudade.
O Locanda Suíça desapareceu.
Até o Gruta Azul sumiu.
O Jatão, em Santa Felicidade, travou a turbina e caiu. Desmoronou.
Nem a Maria do Cavaquinho, nem a Gilda,
nem o Esmaga, nem o Osvaldinho da Praça Osório, perambulam pelas portas da Velha Adega, na Cruz Machado, ou pela frente da Gogó da Ema na Comendador.
Por ali onde andava o Saca-Rolha, nas tardes de sol, com o seu guarda chuva sempre fechado.
O Bataclã não desfila mais com o seu terno branco e cravo vermelho na lapela, pela frente do Fontana Di Trevi ou da Guairacá, na João Pessoa que virou Luiz Xavier.
Fechou a Curitiba onde vivi.
Só não fechou este meu tempo de guri.
Não tem mais Leminski, nem Kolody.
Dele, resta o lamento:
– Esta vida é uma viagem; pena eu estar só de passagem.
Dela, um alento:
– Para quem viaja ao encontro do Sol é sempre madrugada.
De mim, o consolo:
– Saudade és a ressonância de uma cantiga sentida, que embalando a nossa infância, nos segue por toda a vida .

Curitiba querida DOS BONS TEMPOS, que bom que eu te vivi !

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30 ideias sobre “Fechou a Curitiba onde vivi

  1. Velho de Guerra

    Curitiba que ainda provoca sorriso pelas lembrança dos inesquecíveis bons tempos no SOFÁ CAMA GOMES, no TIPITI das balas de ovos da TODESCHINI …

  2. walter schmidt

    Não tem mais Diário do Paraná, Paraná Esportivo, Correio do Paraná, O Dia, A Tarde, Última Hora, o Estado do Paraná, Rádio Guairacá, Rádio Tingui…

  3. Zaga

    E a Tingui e o Quick Lanches na Quinze? A cantina da Federal – do Zeca Cavichiolo- e a da Católica…O Amigo Mello em frente ao Guairinha…. O Bar do Arthur, o Americano, o pernil com verde da Cometa, o Caiobá….Os bailes da Casa da Estudante….As disputas por uma vaga na CEU…. O bate papo e a agenda do sábado à noite discutida após o almoço no restaurante da UPE na Carlos cavalcanti… Os clubes de bairro – Bola de Ouro, Morgenau, Ícaro, Primavera… E as carteirinhas de “sócio universitário” do Thalia…O restaurante Paris na Riachuelo, o Hotel Carioca, o City, o Vitória….

  4. OGARITO LINHARES

    Parabéns pela postagem o texto , simplesmente brilhante o escrito do Ubiratan Lustosa

  5. Coronel Perseu Jacutingassa

    Os tais “bons tempos” tem a ver com a fase da vida, no caso a juventude que se foi.
    Garanto que para muitos aqueles não foram bons tempos não…
    Vivi um pouco desse tempo descrito. Só sinto falta de algumas pessoas que se foram…
    Já do resto… Que bom que o tempo passou! Só de lembrar, já sinto cheiro de mofo…

  6. Célio Heitor Guimarães

    Belo texto, meu caro Ubiratan.
    Três pequenas correções, com todo o respeito:
    1. O”slogan “suba que o preço desce” era da Casa Orlando, também de calçados, ali na Rua XV, ao lado do Cine Ritz;
    2. O neon de moedinhas da Caixa ficava na Praça Ozório;
    3. O gibi do Monte Hale era o “Super X”, da Ebal.
    P.S. – Um recado ao mauro: quem não teve passado, jamais terá futuro.

  7. JJ

    Recado para o Mauro, que não respeita as lembrança dos mais velhos, nem a história da nossa cidade…tomara que você nunca fique velho.

    Você é rabugento (além de mal educado).

    JJ

  8. Velho de Guerra

    Verdade a feijoada do Onha, ali na curva do Bacacheri e São João. Grande Werzbitzki ! E viva o Santa Maria !

  9. Carim Abdalla

    Dizem que recordar é viver,os indigenas também têm historia .,não se preocupam com o futuro enquanto que,o branco pensa muito no futuro e,não vive o presente.Passei 8 invernos em Curitiba,hoje vivo em S.Paulo,aposentado.Num retrospecto da vida,aliás,a melhor escola é a vida,vejo que o trabalho é uma obrigação e condição de sobrevivencia e ainda mais é escravidão.O índio não trabalha,vive do que a natureza lhe orovém,não forma grandes comunidades como o branco.Mas,relembrando os velhos tempos de Curitiba,esquecemos da famosa nikolasca.Ainda existe?Quando estive em Foz,perguntei e ninguém por lá conhece.

  10. Arthur

    Ubiratan, viajamos no teu texto, excelente, obrigado !! E a esse tal Mauro, coitado, não deve ter passado, nem presente e muito menos futuro, vidinha insignificante.

  11. CURITIBANO ROXO

    O devaneio nos remete às lembranças, sonhos e imagens do passado curitibano e vivido por muitos de nós. Este belo texto parte da cultura curitibana dos anos 50/60 e 70.
    Mas para alguns aí, parece que revivê-lo é sofrer duas vezes.

  12. orley antunes de oliveira junior

    Tinha o fim da madrugada no cofee shop do Hotel Iguaçu, na Carlos de Carvalho com Murici, com o Rey, Nego Pessoa, Padre Pio, Albenir Amatuzzi, Osni Bermudes,Jaime Lerner, Marcos Prado, Jamil Snege, Aloar Ribeiro, a queridissima Sonia Nasser, a inteligencia curitibana, toda concentrada em volta de doses e mais doses de café e que invariavelmente a madrugada terminava no Bar Palácio, abraçado num belo galeto ao.primo.canto, atendido pelo seu Jose Humia. Esse era o fim da madrugada curitibana, depois de muito chopp no Cracóvia, do queridissimo Alfredo Cury e sua Gilda, na Velha Adega do velho Pit e D. Marlene, o Zimbaloo ou Barril do Lauro, o CCC na XV com a Barão, Curitiba era assim, festa para todos gostos e tudo isso discutido numa mesa da Shaeffer saboreando uma gloriosa e recondicionante coalhada. Essa Curitiba com certeza era uma industria que produzia saudades, que hoje esta sendo entregue nas memorias de cada um de nós.

  13. José Antonio

    Lembrança marcante de minha infância é eu me sentindo “o cara” quando meu saudoso padrinho Joffre Darcanchy me levava na Boca Maldita, da qual foi um dos fundadores.

  14. Ricardo Bridon Soares

    Bacana lembrar da Curitiba antiga, que vivi. Sou catarinense. Cheguei por ai em 1956, no Bacacheri. Saí em 1967, chorei. Mais Floripa é linda. Mas, saudades não se explicam. Enfim, é a vida!

  15. Ricardo Bridon Soares

    Nos anos 50 e 60 eu era novo (nasci em 52). Morei em Curitiba de 1956 até 1968. Nasci em Lauro Muller (SC), Vivi muito essas lembranças. Tenho saudades, muitas saudades. Passeio Público, Berberi, Atlético, Zequinha, etc. Morei no Bacacheri, Sete de Setembro, 24 de Maio, Westphalem. Saudades.

  16. EDUARDO Sazanoff

    Isso é uma lembrança de meus amigos do Colégio Parthenon, do Prof.. Calderari e meu grande professor de matemática , e aos amigos Gilberto Tavares, Francisco Frischamns, Norma Neuman e outros que hoje não vem a minha lembrança de mais ou menos 1966. Quanta recordação boa um grande abraço a todos que estudaram no Colégio Parthenon da Comendador Araujo. Que saudades.

  17. Margareth R. B. Bernardon

    O texto acima é de autoria do advogado Dr.Júlio de Goes Militão, publicado no Boletim do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, em 2014, (páginas 187 a 193) sob o Título ” Os meus tempos de Guri, nesta Curitiba

  18. Psiquê

    Este cenário me transportou para um ambiente sem as maldades do mundo presente. Éramos felizes!!!

  19. Ruy Lopes

    Gostei do texto, e tenho um pedido para tirar uma dúvida.
    Moro no Rio há quase 60 anos, mas sou paranaense. Na minha juventude junto com alguns amigos que viviam em pensões no Centro, costumávamos de 15 em 15 dias nos reunir na Churrascaria Tupã, que eu acho que ficava na Mal Floriano, e meu amigo Nelson Padrella diz que era na Westphalen.
    Alguém pode ajudar e decidir essa parada?

    Grato, Ruy.

  20. Vilma

    Sobre lembranças: alguém tem alguma de um antigo bar situado na rua Westephalem ( ao lado do cine São João) chamado BAR CARIOCA. Gostaria de saber algo.

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