6:51Burrice (minha) ou esperteza (deles)?

por Célio Heitor Guimarães

De duas, uma: aprendi tudo errado na escola (já andei, até, pensando em processar os meus velhos mestres da centenária UFPR) ou estou emburrando com o passar dos anos. Vamos aos fatos:

Primeiro, soube que os integrantes da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, além do salário, recebem cerca de R$ 19,4 mil, como pró-labore, por participar do conselho de empresas públicas. Quer dizer, um terço dos 38 titulares de ministérios, tem acrescentado à remuneração mensal de R$ 26.723,15 (vencimento de ministro do STF e teto salarial do funcionalismo público e assemelhados), mais uma “quirerinha” que, no caso do ministro Celso Amorim, da Defesa, resulta num total de R$ 46,1 mil mensais de estipêndios brutos. Outros ministros, menos aquinhoados, recebem R$ 41,5 mil, R$ 38,7 mil e R$ 32,6 mil, dependendo dos jetons distribuídos pelas estatais. Além disso, os nobres ministros têm direito a gastar até R$ 6.680 com habitação, mimo conferido, igualmente, para um terço dos 38 ministros da companheira Dilma.

Agora, leio na Gazeta de domingo, reproduzindo reportagem do programa televisivo Fantástico, que o privilégio não é exclusivo da ministrada, estendendo-se para boa parte dos integrantes do Executivo, Legislativo e Judiciário. Há um monte de penduricalhos que fermentam o salário das impolutas autoridades: verba de gabinete, verba indenizatória, auxílio-transporte, auxílio-refeição, auxílio-viagem, através de diárias, diárias, muitas diárias, afora aqueles dignos deputados estaduais que recebem (ou recebiam) até 18 salários por ano (agora, pressionados pela opinião pública, concordaram em ficar com “apenas” 15…).

Aí, fui ao “livrinho”, como dizia Eurico Gaspar Dutra. O livrinho, por acaso, é a Constituição da República Federativa do Brasil. Aquela que ninguém lê e muito pouca gente cumpre. Mas lá ainda está, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, de 2003, no inciso XI do artigo 37: “A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”.

Não está ali, com todas as letras: “… percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal”? No texto original da Carta Magna, a indicação era “percebida a qualquer título” – o que vem a ser a mesma coisa.

Pois o subsídio mensal, em espécie, dos senhores ministros do STF é de R$ 26.723,15. Qualquer valor percebido dos cofres públicos acima deste valor, seja a que título for – remuneração, subsídio, jetom, pró-labore, auxílio, etc, posto que a CF refere-se a espécie remuneratória “de qualquer natureza” – é indevido, ilegal, arbitrário e inconstitucional. Acresce o fato de que nos municípios o limite é o subsídio do prefeito; nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos deputados estaduais e distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

A mim, tudo parece absolutamente claro, indiscutível. A menos que eu não saiba mais ler o que está escrito. Não saiba mais interpretar um texto legal. Ou tenha emburrecido de vez.

Opa! Ocorreu-me agora: e se, em vez, de burrice, o caso for de esperteza? Daquela malandragem óbvia, explícita, que todo mundo está vendo, mas ninguém tem coragem de apontar e muito menos, coibir. E assim vai ficando, a turma se locupletando e a gente pagando.

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2 ideias sobre “Burrice (minha) ou esperteza (deles)?

  1. Edson

    Dizem que jetom, diária e demais auxílios não são remuneração. E é por esses caminhos “supra legais” que os canalhas fazem a festa.

  2. Célio Heitor Guimarães

    E o que serão, então, meu caro Edson? Dádivas divinas? A Constituição é expressa: “vantagens de qualquer natureza”. O resto é sofisma insustentável. E safado, com a devida vênia.

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