6:29Zíngaros tropicalistas

por Ivan Lessa*

O Ministério Público Federal ganhou. Após ter ameaçado na terça-feira da semana passada o dicionário Houaiss com pesada multa e apreensão de toda a circulação do volume léxico em questão, dando ênfase porém à sua versão eletrônica, onde tudo é, para variar mais ou menos vago como o resto do país.

Neste fim de semana quem digitasse “cigano” na versão informatizada, disponível, no UOL, empresa controlada pela Folha, que edita o popular jornal, encontrava e ainda encontra o aviso de que a “palavra não foi encontrada”.

Minha versão do Houaiss, gentil presente de um bom amigo que me mandou o CD há alguns anos, continuava, no entanto, cumprindo sua função e disponibilizando todas as acepções, positivas, neutras e pejorativas, do termo em questão, inclusive “esperto no negociar”, “apegado ao dinheiro, agiota, sovina”.

Na semana passada escrevi umas linhas a respeito, lembrando que “judeu”, “judiaria” e “preto” e “crioulo” continuavam firmes no batente.

Fui a outros dicionários em versão eletrônica em busca de um cigano para pular o carnaval. Lá estava, direitinho, no Aulete (que fim levou o Caldas?) e no Aurélio, o verbete consignado com todas suas acepções, pouco importasse o que achassem e quisessem as procuradorias do Ministério Público Federal, que qualificam sua inclusão como “crime de racismo”.

O verbete “pusilanimidade” também estava em seu devido lugar sob a letra P, para que tanto o portal quanto o diretor do Instituto Antonio Houaiss, Mauro Villar, soubessem exatamente o que estavam fazendo ou deixando de fazer.

Este último, segundo a Folha teria afirmado que “não partiu dele a ordem para a retirada”, acrescentando, corretamente, o que não deixa de ser curioso, que “nunca teria suprimido as definições porque elas são espelhos que refletem ocorrências na língua”.

Alguém precisa explicar ao Ministério Público Federal o que quer dizer “dicionário”. Ao que parece, não ocorreu a ninguém por lá consultar o próprio Houaiss, em qualquer de suas versões.

Duas outras ocorrências, beirando a ocorrência policial, rondaram como almas penadas analfabetas nosso idioma que já foi de Camões e Carlos Drummond de Andrade.

Tem início nesta segunda-feira a 8ª edição da “São Paulo Restaurant Week”, onde gastrônomos de todos os matizes poderão provar, não da culinária inglesa ou americana, conforme o nome sugere, mas do mundo inteiro.

Junta-se, pois, às “Fashion Weeks” que assombram o Brasil e aos “bullies” que o atormentam “bullying”.

A outra ocorrência diz respeito aos inefáveis Caetano Veloso e Gilberto Gil (ambos 69, como gosta de registrar a Folha) que ameaçam com processo judicial (foi o que entendi) a construtora Odebrecht pelo que chamam, através da imprensa, de “afronta” a construção de um “resort” (não é assim em brasileiro?) de luxo à beira-mar da Bahia com o nome de “Tropicália”, que, é de se julgar, os dois músicos consideram de sua propriedade exclusiva e apenas mais uns poucos.

A Odebrecht escolheu, como “slogan” do projeto, “onde o divino se encontra com o maravilhoso”, que, aí sim, por ser citação de cançoneta Caetana, haveria margem para uma chegada aos tribunais e o habitual fuzuê com que sempre os indivíduos em questão contemplam a imprensa.

O conjunto residencial da Odebrecht oferece apartamentos de 3 a 4 quartos, bem em frente a uma deslumbrante praia baiana, por módicos preços a partir de R$ 800 mil reais. O que daria fácil para os dois trovadores comprarem uns dois ou três para uso próprio e da família.

A Odebrecht respondeu, algo timidamente, que a marca “Tropicália” já vem sendo usada por 76 negócios em São Paulo e 40 no Rio.

Tudo indica que Caê e Gil, como gostam de ser chamados à distância os filósofos cantantes, proibiriam, ou botariam a boca no trombone, se tivessem ativado e participado de outros movimentos músico-filosóficos tais como “Bossa Nova”, “Existencialismo” (sem o qual não haveria Emilinha Borba cantando Chiquita Bacana), “Música Disco” ou “Discothèque”, “Parnasianismo”, “Futurismo”, “Dadaísmo”, “Positivismo” (citado, por extensão, em nossa bandeira) e por aí afora.

* Colunista da BBC Brasil

Compartilhe

2 ideias sobre “Zíngaros tropicalistas

  1. O QUÊ?

    Logo, muito logo, não poderemos mais falar “gozado” ou “coitado” pois, além de pejorativas, poderão alegar que essas palavras são depreciativas em relação ao “hipo suficiente” social… Eita, Brasil!

  2. Mário Hortz

    Aqui em Curitiba isso está virando praga. A jacuzada vai de “Batel Soho”, “Champagnat”, “Ecoville”, drive-trougth, etc etc etc

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.