7:48Sherlock e a multidão de imitadores

Por Ivan Schmidt

Algum leitor está planejando viajar a Barcelona até o final de março? Em caso afirmativo aí vai uma sugestão: não deixe de ver a exposição Os rivais de Sherlock Holmes, que até 30 de março poderá ser apreciada na Biblioteca Pública Arús, na esfuziante capital da Catalunha. A propósito, a mostra foi montada aproveitando o ensejo do festival anual do romance noir (2-11 de fevereiro), que por lá o pessoal da cultura, volta e meia, tem esses rompantes de genialidade.

Bem, vou tentar explicar. É que transcorridos 125 anos da publicação da primeira obra escrita por Conan Doyle (1859-1930), o Estudo em vermelho (1887), o personagem Sherlock Holmes continuaria sendo objeto de inspiração para escritores e cineastas e, mais de 170 autores tentariam copiá-lo, incluídos seu cunhado e o próprio filho. Quem conta é Mireia Moya, do El País (olha ele aí de novo!).

A saga de Holmes teve início na última década do século XIX, pouco depois da publicação da primeira aventura. Muitos autores perceberam que a figura do investigador caiu nas boas graças do público e vendia muito e logo passaram a criar relatos que combinavam tramas similares às inventadas por Conan Doyle, valendo-se de protagonistas com traços semelhantes aos de Sherlock: cínicos, intuitivos, desprovidos de emoções e muito racionais. Até mesmo figuras calcadas em Watson começaram a aparecer também.

Foi assim que surgiram os “Holmes apócrifos”, ou versões alternativas do mesmo ícone. Memórias íntimas do rei dos detetives foi a primeira coleção que, publicada em vários países, deu o start às imitações: uma série interminável de revistas ilustradas realizadas por diferentes escritores, com uma mescla de mistério, suspense e muita fantasia envolvendo figuras semelhantes ao espertíssimo inglês.

A exposição tem por base 19 fascículos (alemão, português e espanhol), além de uma centena de publicações apócrifas. O que veio a se saber, tempos depois, é que as cópias tiveram grande aceitação por parte do público anglo-saxão e, surpresa!, pelo próprio Conan Doyle, que de maneira altruísta se alegrou com o fato de suas histórias servirem para motivar outros autores. Comenta-se que o pai de Sherlock teria mesmo ajudado alguns imitadores, como no caso da paródia A aventura dos colaboradores (1893), assinada por James M. Barrie. Assim, diz Mireia, Sherlock se dividiu em dois: o convencional, moldado segundo o gosto de seu criador, e o falso, nascido de penas fascinadas pelo engenho da dupla Holmes-Doyle.

Um dos imitadores mais versáteis foi o belga Jean Ray, que além de traduzir para o francês as aventuras do morador do 221b de Baker Street, imaginou-se capaz de superar o original criando Harry Dickson, “o Sherlock Holmes americano”, conforme as chamadas de capa de revistas belgas, tchecas, francesas e alemãs que publicavam seus contos. Algo parecido foi tentado também por E. W. Hornung, que após testemunhar o sucesso do cunhado e amigo se animou a conceber a figura do ladrão de punhos de renda, Arthur J. Rafles.

A culminância da emulação chegou às entranhas da família Doyle quando o filho, Adrian, decidiu perpetuar a saga e em cooperação com John Dickson Carr, escreveu 12 histórias curtas nas quais o protagonista não era outro senão o próprio Sherlock.

A morte do autor, em 1930, não fez mais que reforçar a tendência que inundou o mercado editorial europeu e norte-americano com novelas, contos e revistas apócrifas, engrossando a tradição de imitações e homenagens. Tanto que o genial detetive londrino converteu-se no personagem que maior número de vezes foi representado em filmes policiais.

Com base nas quatro novelas e 56 contos de Conan Doyle, tendo Sherlock como protagonista, a indústria editorial acabou centuplicando várias vezes a quantidade das aventuras originais. Uma das figuras mais geniais da literatura recente calcada no dedutivo investigador é Guilherme de Baskerville, em torno de quem Umberto Eco construiu o enredo sufocante de O nome da rosa (1980), sem dúvida inspirado em O cão dos Baskerville.

Enfim, leitor contumaz de Conan Doyle desde a adolescência, concordo inteiramente com Mireia Moya, ao sugerir que a proliferação infinita de suas aventuras seria um mistério em si mesmo para o próprio Holmes. Elementar, meu caro Watson.

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