16:10Sonia Nassar, para nunca esquecer

por Raul Guilherme Urban

ESTRELA DA ESPERANÇA
 
Foi num dia não lembrado de um distante 1969, já ao anoitecer, no terceiro andar da rua Barão do Rio Branco, 556. Noviços ainda no ramo do escrever as coisas do dia, andarilhando pelos corredores da saudosa Rádio Guairacá com sua mesa de som RCA Victor recheada de válvulas e operada pelo Dentinho, íamos e voltávamos, no subir e descer os degraus pequenos levavam ao jornal, no andar de baixo – O Estado e a Tribuna – esta, que hoje faz 50 anos.

Havia um mar de gente nesses espaços: Norberto, o sonoplasta, catarinense de Ituporanga, que buscava nas melodias da então ascendente francesa Claudine Longet buscar a harmonia que Edith Piaf trinava; Euclides Cardoso – nosso Kid querido, também no buscar das coisas lúdicas.

Fazíamos notícia em forma de quarteto – Zair Schuster, Ary Laurindo, Manoel Carlos Karam e eu, espremidos na saleta do Jornalismo onde tínhamos o consolo de, com os pés, acionarmos a geringonça feito de ferros que ligavam e desligavam aqueles gravadores italianos Geloso, lembras? De rolo, frágeis, que gravavam as coisas do mundo e nós reproduzíamos.

Na cabine dois, de gravação de comerciais, confabulavam Machado Neto, Nestor Baptista, Carneiro Neto…. havia à frente uma jornada esportiva que fazia a rádio líder de audiência.

De repente, como quer Drummond, ao lembrar que havia uma pedra no meio do caminho, uma pedra que precisava de atenção, de cuidado, eis que, de repente, ali no corredor floresce a Estrela da Esperança, em forma de um luminoso espírito que trazia consigo a imaculada blusa branca, engomada; a saia plissada, escocesa, meias três quartos e sapatos brilhosos, tudo emoldurado pelo sorriso amplo de um ser que trouxe na alma um renovar das coisas diárias – primeiro, como que aprendendo o be-a-bá das coisas que o pessoal da “latinha” domina. Depois, já no andar do tempo seguinte, audaciosa, sim, competente, briosa, mas essencialmente feminina, sempre mostrando um mundo lúdico construído devagar nos campos, nos centros de treinamento, nas andanças por esse Brasil com as equipes….

Foi assim, no descortinar desse espírito luminoso que nos abarcou naquele fim de tarde (seria começo da noite, quando procurou alguém para ingressar nas vidas de nosso trabalho?), que conheci alguém especial, noviço que também era então no ofício. Ah, soubessem os então vividos mais que nós quem era essa luminosidade entranhda em nossos íntimos, que atendia pelo nome de Sônia Regina Nassar?

Escrevo num começo de tarde, quando ao meu lado está a Tribuna de Paraná de quinta-feira, 18 de outubro de 2001, que mostra, no alto da primeira página, com espanto – porque surpresa para todos – uma Soninha, em foto preto-e-branco, sentada ao lado de um gol de clube, blusa listada, calça escura, e no lado oposto, depois do narrar os 31 anos em que Soninha soube nos alimentar com sua força e luz, um sorriso cercado pela branca blusa da sempre menina-mulher que soubemos olhar com orgulho, com altivez, com profundo amor, como colega, mas, e acima, de tudo, como a mais querida das criaturas que nos foereceu convívio.

Escrevo, quando, hoje, 17 de outubro de 2011, lá se vão dez anos do apagar das luzes desse ser imenso que nos nutriu com esperanças. Não vamos venerá-la enquanto uma pessoa diferente. Vamos, sim, cercá-la de energia, para, hoje, dez anos depois, Sônia Regina Machado Nassar, nossa Soninha, nos parecer um pouco de nós. Somos, e sempre, um pouco de todos.

Talvez não sejam todos os que nesta data se lembram da Soninha Guerreira, da Estrela da Esperança que brilha lá em cima e sabe, com seu encanto, mostrar-nos caminhos nunca obtusos, sempre retos, para que, também com retidão, singremos pela senda da retidão e nos aproximemos de quem foi, e é, alguém que estará sempre dentro de nós.

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7 ideias sobre “Sonia Nassar, para nunca esquecer

  1. Caxias

    Grande amigo, que lindo esse texto, descreve alguém com muita propriedade, que conheci e admirei pela competência, tenacidade, irreverência; Atleticana, mas acima de tudo profissional, saudades, hoje não temos mais isso, é tudo frio sem paixão, quando enaltecida (paixão) escapa pela güela, pelo lado clubístico, que pena, os bons vão cedo ela esta com DEUS. Parabéns pela descrição tão bem feita, vc é DEZ, abraços Amigo.
    Caxias

  2. Célio Heitor Guimarães

    Caro Raul, convivi com tanta gente boa do mundo da “latinha” que, nessa quadra da vida, não lembro se nos conhecemos pessoalmente ou não. Conheci, porém, a Sônia, grande figura, grande profissional, grande atleticana. Foi também a grande pioneira que abriu o caminho da reportagem esportiva para as meninas que aí estão hoje. Parabéns pelo texto. Bonito e merecido.

  3. Bitte

    É isso aí, Urban.
    Os amigos a gente não deve nunca esquecer. Principalmente aqueles que vão um pouco antes para o andar de cima.
    A gente logo se encontra. Uns um pouco antes, outros depois.

    Abs,
    Bitte

  4. José Urban

    Conheci a Sonia Nassar pela TV, em 85, no “Viva a Bola”, com Boris, Cavalcanti, Fumaça, Mion e Linhares. Eu tinha 9 pra 10 anos.
    E pessoalmente na comemoração do título paranaense de 1990, onde ela, discretamente, explodia em felicidade após o gol contra do Berg.
    Que bela repórter, me fez amar o futebol…

    Parabéns, pai, pelas palavras que tornaram a Soninha mais viva do que nunca pra mim por alguns segundos.

  5. Raul Guilherme Urban

    LEMBRANÇAS DE IMPRENSA
    Raul Guilherme Urban

    Gratidão é o mínimo que posso expressar diante dos que comentam o que escrevi sobre nossa rubro-negra Sonia no blog de 17 de outubro, quando a Tribuna do Paraná comemorou 50 anos, e Soninha – se viva – estaria com 60, feitos em 5 de outubro – pioneiríssima, enquanto mulher, no (literalmente) campo esportivo, num tempo em que, ainda anos antes, lá pelos 68, enquanto noviço repórter e diagramador de “O Estado”, tínhamos Vânia Mara Welter, Carmen Cattani (casada com Cícero, mas um bom tempo depois de Vânia tê-la trazido à redação para diagramar), ao lado do então “perito” Antônio Cordeiro – o Tonico. À época, lidávamos com as réguas de cíceros e paicas (medidas gráficas de então) com destreza ímpar, e foi Tonico quem nos soube repassar o segredo que até hoje faz com que, antes da leitura, olhemos o produto impresso enquanto design – harmônico ou não.
    O rol dos coleguinhas daquele tempo incluia Malu Maranhão, Teresinha Cardoso, ou mesmo, como no então concorrente “Diário do Paraná”, Teresinha Schoen Teixeira – e tome nomes a lembrar de uma época em que as redações e rádios, mais lúdicas e românticas, ostentavam nomes como Ivan Curi, digno magistrado dono de um Ford Galaxie 500, ator na juventude, mas que diariamente (porque tinha flebite) subia vagarosamente os degraus de três andares da Guairacá, para apresentar solenemente, à meia-noite, o “Redação Zero Hora”, que começava com o clássico “é calmo o início da madrugada em Curitiba”, não sem antes cumprimentar a rapaziada daq emissora com seu sotaque libanês “ barr náite”.
    Tínhamos ainda Jamur Júnior; Jota Jota – ambos consagrados, deepois, no “Show de Jornal” do Canal 4, seguindo os textos de Adherbal Fortes e Renato Schaitza. Tínhamos Maurício Fruet (na B-2,quando deixou a “latinha” para se candidatar a vereador); justiça seja feita, ao lembrarmos também a voz que marcou o período dourado da Rádio Ouro Verde, de Roberto Bostelmann, quando a emissora era pilotada pelo Comandante Dide Bettega e Roberto era também a voz viva do então Sir Laboratório, de Túlio Vargas – lembram?
    Como sou mais filhote criado em redação que em estúdio, recordemos os já finados Manoel Carlos Karam, Arnoldo Anater (resta o monstro sagrado que é Jorge Narozniak, hoje na RPCTV), ou ainda Mussa José Assis. Que, teimosamente, aos sábados, é figura antológica, como gourmand, no Mercado Municipal…. ah, tenhamos na memória ainda Gilberto Mezzomo, Aramis Millarch, Geraldo Russi (alguém lembra do tempo do Nanquim na Kara?)Epa, como esquecer Aroldo Murá Haygert? E Rafael Munhoz da Rocha, que obedecíamos ao fazermos apostas nos cavalinhos do Jóquei? Tínhamos João Dedeus Freitas Neto (grande editorialista), o sobrinho Rodrigo de Freitas (perito no fechamento da página policial); tivemos Aluízio Finzetto, Osni Bermudes (aquele que foi o pai das traquitanas de um poético Canal ¨, então dos Diários Associados).
    Do “Diarinho” vinha também Ayrton Baptista – com quem compartilhei, em 1972, a diretoria do Sindicato dos Jornalistas. Eta, anos de chumbo, quando, naquele ano, fomos destacados para representar o Paraná no Congresso da classe, em São Paulo – fomos, Hugo Mendonça, Jorge Narozniak e eu. Como fomos uma das poucas delegações então em defesa do fim da censura, voltamos a Curitiba e, cada qual em sua redação, levou um “pito” do respectivo chefe de Redação, por tanta audácia.
    …oopss. tropecemos propositadamente na figura do quase lendário Milton Ivan Heller, mas jamais nos esqueçamos de um valoroso e ainda ativo Milton Ivan com suas obras libertárias….ao Walter (ele que lembre da antológica viagem a Santa Catarina, ainda num tempo em que tinha Fusca Verde, lá por 1970), ao Bitte, xiii…. a tanta gente que não vejo há tempos, bate uma baita saudade, mas não é tempo de tirarmos do baú essa “nomenklatura” – relação infinita de nomes, correndo o risco de esquecemos alguém – e pensarmos num trabalho de pesquisa digno de contar o que é a Imprensa Paranaense? Nada de também esquecer Chico Duarte, Lúcia Nórcio, a Miriam Gasparin (até hoje idolatrada editora de Economia, que conheci nos tempos do Indústria & Comércio, lá no fim dos anos 1980). Laurentino Gomes, o que acaba de ganhar o Prêmio Jabuti com seu “1822” – não é que tive o privilégio de conviver com ele em “O Estado”?
    Um grande abraço, até a quem diz não me conhecer (Célio, nós convivemos por algum tempo, mesmo que brevíssimo, nas andanças das noites e, eventualmente, no Bar Palácio, quando tomávamos as sopas de legumes servidas pelo também já finado garçon – Mozart). Pois bem, façamos assim: busquemos no tempo os nomes que nos são valiosos, e façamos deles perenes piras que ardem como lembrnça infinita, para que aprendamos todos os dias as liçoes de cidadania e amor ao próximo. Um abraço – Urban.
    Obs: e dizer que tudo o que escrevi foi por conta da Soninha… ah, obrigado, Sandra….
    Ah, como lembranças afloram sem querer – Soninha foi também contemporânea – quando todos estávamos abrigados na Barão do Rio Branco, 556, de Luiz Manfredini, do saudoso Pedro Franco, de Enock Lima Pereira (que tb continua lá em cima escrevendo as “Tribuninhas”); de Gilberto icardo dos Santos; de Roberto Novais; de Jaques Brand; do Boluca; do Pedrão, que fazia a Segunda Divisão ao lado do Lewvi Mulford, e que também já se foi; do Barriga – saudosíssimo chefe de oficina de “O Estado” que, apesar das crises hepáticas, soube nos ensinar naquele tempo como trabalhar com os hoje esquecidos e antológicos linotipos.
    Que tal: fazemos o mutirão pra tocarmos o Memorial da Imprensa?

  6. Ivan Schmidt

    Convivi por algum tempo com aquela turma maravilhosa do Estado/Tribuna do Paraná, logo que as instalações passaram para o bairro das Mercês. Lembro dos nossos papos, prezado Raul e, claro, da Soninha, a primeira repórter esportiva da nossa imprensa. Sempre sorridente e positiva, uma lição de vida. O texto que você concebeu, num momento iluminado, é uma homenagem à altura do legado que Sonia Nassar deixou para o jornalismo paranaense. Parabéns!

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