por Zé da Silva

Escorpião

Os tiros com o revólver Colt, calibre 45, se concentraram na mosca. Ele descarregou o tambor e aquilo foi como sair daquele mundo, daquele acampamento militar, do meio do mato, para onde ele não sabia. O coração batia descompassado, mas o braço longo se manteve imóvel – e ele, frio, como um assassino na hora da execução. A arma era antiga, mas doce. Até o tranco que dava na explosão parecia acariciar o corpo todo do atirador. Tinha 19 anos e a paixão pelas armas surgiu daí. Um dia, por acaso, se encontrou com um colecionador. Rico, fazendeiro. Os tesouros estavam todos num móvel envidraçado na parede de uma sala. Até Thompson tinha. Daquelas, lata de goiabada, famosa por ser peça fundamental nos filmes de gângsteres norte-americanos da década de 20/30. AK 47, Luger, Walter, Uzi, FAL, AR-15, tudo estava ali. Mas quando ele bateu os olhos num Colt Python de cano longo refrigerado, parou. O dono das armas sentiu. Tirou a arma do armário e ainda colocou uma mira a laser que tinha ganho de presente. Naquele momento um passarinho quis atravessar um vidro e os cachorros que faziam a segurança do local, todos feras resultantes do cruzamento de raças violentas, começaram a latir como se algo de anormal estivesse acontecendo. Quando parou de mirar, ele não sabia quanto tempo tinha ficado naquele estado, se tinha falado algo, enfim, quanto tempo se passara desde que empunhara o revólver prateado. Devolveu a arma. Agradeceu a atenção dispensada. Foi para casa e, meses depois, já tinha um número de armas suficientes para uma quadrilha. Ninguém sabia do arsenal. Nem a mulher, nem os filhos, muito menos os amigos. Não se sabe onde comprou todas aqueles berros e matracas. Nunca deu um tiro. Não tinha balas. Nunca se interessou por isso. Tinha medo. De carregar e tentar concentrar os tiros em algo.