por Zé da Silva

Capricórnio

A bicicleta tinha a cor laranja. Aro 28. Freio no pé. Foi o primeiro veículo do menino. Comprou com o dinheiro que juntou trabalhando no boteco que ficava do outro lado da esquina onde morava. Ali também aprendeu a dar tacadas fortes no bilhar. A bicicleta era tão sonhada quanto, anos antes, o par de revólveres prateados, e com cinturão e cartucheira, da Estrela. Coisa de Roy Rogers, Patrulheiros Toddy e Zorro, o do cavalo Silver e amigo do Tonto. Nunca teve os revólveres, mas um dia atirou sem querer com o do pai, de verdade, dentro do quarto. Ninguém nunca soube, apesar de ter arrancado lascas de madeira de um dos pés de uma pequena mesa. A bicicleta era outra coisa. Era real a magrela. E ele cumpria um ritual aproveitar sua máquina. Como morava numa pirambeira com ruas de terra, ia todo final de tarde para a que ficava ao lado da igreja do bairro. Ali a pista era plana, longa e nunca passava carro. Ele pedalava com todo o vigor da idade. E via passar a igreja de um lado e um enorme terreno baldio e com mato do outro. Mais acima, ainda via parte das traves do campo de futebol de terra batida do time da vila. Fez isso durante muito tempo. E já dominava derrapadas controladas levantandao poeira quando teve de vender a magrela. Ele não lembra mais o motivo. Já se passaram muitos anos. Talvez fosse necessário para um aperto financeiro da família. Talvez porque enjoou da brincadeira. Teve muitas bicicletas depois. Carros, motos. Um dia voltou ao local onde morou. Na casa cortaram até o pé de ipê amarelo que plantou. A igreja continua lá, mas as ruas estão todas asfaltadas e a maioria dos moradores tem carro. Não existe mais terreno baldio e o campo de futebol desapareceu. Mas o sinal da cruz que ele fez ao ver a cruz da igreja foi com a mesma intensidade do que quando fazia ao chegar naquela rua de terra. E fazia isso pedalando e controlando o guidão com a mão esquerda. Porque era o dono do seu pequeno e maravilhoso mundo.