21:01HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Capricórnio

Sem pai nem mãe. Nunca conheceu. Não sabia o que era isso. A primeira lembrança era de um quarto de pensão. Nele, o que ficou para sempre foi a imagem de um “Coração de Jesus”. Nunca entendeu como é que aquilo aparecia no peito do homem de barba. Mas ficou, principalmente porque era de porcelana e a moldura cor de gema de ovo. Havia uma mulher, sim. Gorda. E muitos homens entrando e saindo. Ele saiu cedo dali. Foi para um barraco na favela. Nunca aprendeu a decorar as letras do alfabeto. Só depois de adulto. Mas passou pela escola das ruas, das esquinas, tudo com o mesmo cheiro do esgoto que passava embaixo da cama. Perfume de madame sentia. Mas tudo ficava misturado porque o fedor estava entranhado. Não entendia os que tinham e muito menos os que não tinham. Comia o que achava. Um dia apareceu alguém e disse ser o pai. Ele olhou e pediu para ele abrir a camisa. Não viu o coração. Mandou andar e ameaçou com a faca que já carregava. Um dia ela chegou e disse que era sua mãe. Chorava feito a velhinha que uma vez ele arrancou a bolsa e devolveu em seguida com pena. Ela contou uma história longa. Ele mandou parar porque nem lembrava direito a dele. Só sabia que estava vivo porque acordava. Ela implorou que ele fosse com ela. Também era sozinha na vida. Sem pai nem mãe. Ele foi. Com a condição de procurar um coração de Jesus para ele olhar do alto de seus 12 anos.

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