por Zé da Silva

Leão

O mar invadiu o cérebro e o barulho só parava quando ele dormia. Mas ele dormia pouco. Duas horas por noite, no máximo. Não lembrava mais quando aquele mistos de zumbido e chiado tinha surgido. Talvez no dia em que três ondas fortes o fizeram engolir água salgada e ralar o corpo na areia grossa de uma praia que era linda de olhar, mas perigosa ao entrar. Foi há muito tempo. Ele escolheu o lugar por uma foto. Tinha visto no jornal e precisava descansar. Comprou a passagem e foi. Sozinho, pela primeira vez na vida. Venceu a timidez e ganhou o mar dentro do cérebro. Pensava nisso quando teve novo estalo. Isso 20 anos depois. Voltou ao mesmo local. Sozinho de novo. Não era mais tímido. Não era mais nada. Apenas um corpo prejudicado e uma mente atrapalhada. Entrou de novo no mar, que continuava lindo de ver e perigoso ao contato. Levou uma lambada nas costas. Ardeu como se tivesse recebido uma chicotada. Afundou, rolou, mas se não ralou. Saiu. Secou ao sol. Descobriu que o mar tinha desaparecido lá de dentro. Mas a marca nas costas ficou. Queimando. Para sempre.