por Zé da Silva
Escorpião
Assim como lhe entrava a possibilidade de uma tragédia familiar, ou própria, com um caminhão perdendo o controle na pista ao contrário e passando por cima, apagando o mundo, ele imaginava como seria matar alguém. Não lhe vinha o verbo matar, mas o tirar, tirar a vida de outro ser humano. Chegou a sentir o mesmo gosto descrito por Peter O’toole em cena de Lawrence da Arábia. Os olhos azuis do ator invadindo tudo e ele falando para a eternidade que tinha gostado de matar. Ele não sabia de onde vinha isso, mas vinha. Também não sabia porque colecionava armas brancas e tinha atração pelas de fogo, principalmente as de grosso calibre. Um dia leu um conto de Rubem Fonseca onde o assassino saía de casa toda noite apenas para assassinar desconhecidos e voltar para um sono tranquilo. Teria sido aquilo? Ficou assim até o dia em que viu um policial correr atrás de um menino e disparar. Depois foi olhar a vítima caída no meio-fio e saiu caminhando lentamente, só faltando assoviar uma canção romântica. A bala arrancara parte da cabeça do garoto, que ainda agonizava sobre uma poça de sangue misturada com miolos. Nunca mais sentiu vontade de matar. Apenas de amar.