8:33No jardim da Dona Zefa

Fotos de Ricardo Silva

Pode ter sido no mesmo instante. E, se não foi, fica sendo. Entrei num grande jardim onde há uma capela. Entrei no pequeno templo e bastou sentar bem pertinho do altar para chorar feito menino sem pai nem mãe – assim como se fosse sozinho no mundo, apesar de estar ao lado da amada, que é companheira e mãe. Pode ter sido no mesmo instante. A milhares de quilômetros dessa Curitiba que me abriga há mais de três décadas, meu único irmão saiu para o fundo da casa onde há um pequeno quintal com um coqueiro, um abacateiro enorme e várias plantas. Depois, voltou, atravessou a casa, pequena, mas também templo, porque fruto do trabalho deles, que se foram, abriu a porta da frente, de ferro e vidro, e saiu para o jardim, um pequeno retângulo de terra cercado de cimento rugoso, onde estão as flores do jardim da nossa casa. A borboleta pousou mansa – e a natureza se fez luz, como sempre se faz para quem tem alma de menino feito Ricardo Silva. Ele então registrou as imagens acima, porque revelou-se artista no tempo certo, e os artistas têm esse dom de abrir as portas da alma e do coração. Tempos atrás ele me disse, nessa mesma máquina internética, que sempre aconteciam milagres naquele jardim que ela abençoava todo dia com amor silencioso, como era o jeito dela de se declarar. Disse meu mano amado que descobria flores que não sabia como surgiam, porque não as plantava. E ele as distribui nessa tela invencionática, onde sempre coloco embaixo a assinatura da dona Zefa, ela, nossa mãe, Josefa Maria da Silva, tão simples como o pouso da borboleta, o cheiro das flores, a água que aparece dia sim, dia não, na Palmeira dos Índios, Alagoas, sua terra de origem, nossa também, apesar de termos sido agraciados em surgir na terra como filhos dela é do Zé Luis, o senhor José Antonio da Silva, na São Paulo da Zona Leste, Vila Alpina saudosa. Pode ter sido no mesmo instante. E se não foi, fica sendo. Saí da capela para controlar o que vinha lá de dentro, uma mistura de dor, de saudade, e alegria, por ser filho deles, e aí fui contemplado com uma chuva que me levou a se proteger sob um cedro centenário. Não sei por quê, mas lembrei dos vestidos que a Zefinha fazia para ela mesmo, grande costureira que sempre foi, desde os tempos em qua desenvolveu o dom numa casa de alta costura do Rio de Janeiro, Copacabna, para onde se transportou ainda jovem, e onde namorou o casou com o Zé meu pai, eles que tinham nascido no mesmo dia, no mesmo ano, em sítios vizinhos, lá, há milhares de quilômetros, na Palmeira, como falam os nativos. Pois os tecidos que escolhia, sempre baratos, pois a pobreza mais rica do mundo é nossa, ninguenzada da raça dos brasileiros trabalhadores e honestos, os tecidos eram sempre floridos. Pode não ter sido no mesmo instante, mas confesso agora ao meu irmão que as flores do jardim e dos vestidos da dona Zefa eram lá de dentro, e foram herdadas dos tempos onde nossa imaginação não consegue alcançar, mas sabemos a origem, que chamamos de Deus. Foi ontem, na capela em Curitiba, e lá, no mesmo instante. Aconteceu. E é isso que nos faz felizes. Amém.

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