8:35Guinga?!

guinga-e-gabriele-mirabassi-069-foto-rodrigo-juste-duarte

Guinga? Quem é? A pergunta entrou como ponta de faca no ouvido no meio da tarde. Vinha do outro lado do telefone e quem não sabia tem vocação para ser antenado. Mas assim como ele muita gente neste Brasil de Claudia Leite pergunta: “Quem é Guinga”. Na hora a comoção causada pelo 3D de Avatar também veio porque um anônimo escreveu aqui sobre “experiência sensorial” causada pela antiga/nova invenção técnica do cinema. “Graffiando o Vento” é o nome de um disco que uniu há alguns anos o músico brasileiro Guinga, registrado Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar, carioca, dentista como profissão original, ao clarinetista italiano Gabrielle Mirabassi. Foi lançado apenas na Europa – e até hoje não se sabe porquê. Ou melhor, sabe-se. Quem é Guinga? Ontem o teatro “Guairinha” lotou para ver os dois, no show de abertura da Oficina da Música. O cheiro de mofo do local foi esquecido quando as luzes da platéia se apagaram, as do palco se acenderam, viu-se fios pendurados no fundo do teto com origamis de aves multicoloridas penduradas em posição que lembravam escalas de uma música. Guinga chegou aos 60 anos com a cabeleira branca, o rosto magro e a expressão corporal de um monge que conseguiu captar a mensagem dos deuses para transformar em música e repassar para nós, comuns mortais. Fala baixinho, mas quando canta, mesmo que um dia, no passado distante, Elis Regina tenha lhe recomendado desistir, é como brisa acariciando o alto de uma colina de relva. E ontem ele cantou apenas uma, mas, na hora, os pássaros atrás se movimentaram como que também encantados. Mirabassi é um dos professores convidados da Oficina. Se não tocasse a clarineta conseguiria passar música pelo corpo. Porque ele não toca apenas com a boca. Toca com toda a estrutura do corpo e isso quer dizer que é sua alma que entra em transe e o faz serpentear feito naja diante do indiano flautista encantador. E o que encanta ali é toda a música composta naquele violão ao lado, empunhado por… quem é mesmo esse Guinga? O encontro dos dois fez o carioca se apresentar 38 vezes na Itália. A postura serena, parecida com a de guru, não é nada disso, contou o próprio instrumentista, cantor e compositor que na noite mágica tocou apenas uma única música que não era dele, mas de Tom Jobim, “um presente para a humanidade”, nas suas palavras. Ele é tímido. Morre de medo de palco. E isso, disse, é um sinal de respeito ao público, razão da existência, razão da comunicação entre os corações presentes. “A única diferença é que estamos aqui em cima do palco e vocês aí”. Mas ninguém estava ali. Pelo menos um não estava. Porque a certa altura o som que saía daquelas duas almas através do instrumentos destes artistas que caminham para a quase perfeição fez baixar no palco Heitor Villa-Lobos, Tom Jobim, Aldir Blanc, Jackson do Pandeiro, Hermeto Paschoal, Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Dilermando Reis, Jacob do Bandolim, bandinhas de coreto em cidades do interior, orquestras de Câmara em salões de palácios, paisagens, romances, cinema de bairro, Fellini, Chaplin, imagens da infância, pai, mãe, amor pelos filhos, agradecimento pela saúde, felicidade pela vida – e olhos marejados. Na música que cantou, Guinga invadiu todo o espaço do teatro elevando o tom da voz ao improvisar um “Paranauê, Paraná”, como uma espécie de agradecimento porque aqui é muito bem recebido e já veio tantas vezes e também porque é o lar de sua mãe. Ontem ele e Mirabassi grafiaram o vento, o tempo, as almas e os corações dos que receberam a graça de estar ali. Todos ali sabiam quem é Guinga. Porque um dia o ouviram para sempre.

guinga-e-gabriele-mirabassi-070-foto-rodrigo-juste-duarte

Gabrielle Mirabassi e Guinga – Fotos  Rodrigo Juste Duarte

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.