18:53Grito da dor

por Zé da Silva

Câncer

O grito de dor ele não ouviu. Só viu. Na estrada que serpenteava o interior do Paraná, o carro da frente levava o poderoso em campanha. Ele estava no de trás – e no banco traseiro. Viu a caminhonete comer o asfalto numa descida, fazer uma curva para a esquerda e subir veloz como se estivesse pegando embalo para decolar. Era fim de tarde e a luz quente do sol de um dia sem nuvens deixava a paisagem como num quadro em exposição. Foi aí que o bichinho surgiu no acostamento e entrou na pista. Era um cachorro magricelo, branco, manchado de preto – ou vice-versa. Fazia parte da bela paisagem até se encontrar com o objeto estranho, um monstro de lata, com motor e quatro rodas. Uma delas, a traseira esquerda, partiu-lhe a espinha. No carro que vinha atrás ele pressentiu a cena e tentou fechar os olhos. Não conseguiu. Quando o carro do chefe  se afastou e deixou o bicho no meio da pista, ele viu a cabeça do animal dirigir-se ao céu azul anil, a boca se abrir ao máximo, e os dentes aparecerem no grito da agonia. Que não ouviu. O motorista do carro onde estava decidiu na hora terminar com aquilo. E foi em frente, na velocidade da morte.

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