por Zé da Silva

Capricórnio

Nasceu virado, mas não com a bunda pra lua. Antes tentaram tirar com os ferros. Não deu. A cabeça achatou atrás, mas o cérebro ficou comprometido só um pouco. Era de madrugada e a maternidade tinha o nome da mulher de um governador ladrão. Batizaram às pressas, em casa mesmo, um quarto e cozinha de fundos, porque estava marcado para morrer. Não morreu. Não teve leite materno. Tomou Leite Moça na mamadeira. Quando vestiu calça curta parecia personagem de Vidas Secas. Umbigo explodindo no barrigão cheio de lombrigas. Cortava cabelo estilo “topete de bode”, que virou moda cinco décadas depois. Sempre teve medo. Achava aquilo o normal da vida. As paixões vieram desde a infânia. Mas havia uma trava no peito e na boca. Igual ao pai. Lhe apresentaram o cinema. Que ficava atrás da meia-água. Descobriu que existia mesmo outros mundos. Ali, imagina, começou a sair do gueto. Aprendeu, sem palavras, a importância do trabalho e da honestidade. Se perdeu na vida, mas sem perder o rumo. Visitou o inferno, mas com os dois pés na Terra dos humanos. Foi o fundamental para que conseguisse ver o que sempre esteve dentro. No caminho tortuoso descobriu que os pais também queriam colo, pois não tiveram. E eles foram embora com a certeza de deram tudo o que puderam – e isso vingou. No caminho tortuoso fez filhos. Os tesouros da sua vida, assim como o irmão artista. Consegue olhá-los através da própria trajetória na vida. E fica feliz. Porque estão juntos e ele consegue falar. Sem medo. Nasceu virado. Viveu virado. Para aprender melhor.