9:12Um tesouro no acervo do Aramis Millarch

por  José Maria Correia    

Estava eu posto em sossego em uma tarde desatribulada de um dia gris  quando recebi um telefonema do Paulo Furiatti ,prefeito da Lapa. Cntou-me o Fufu que havia lido neste blog e curtira muito as reminiscências sobre o velhote Perly , um dos últimos boêmios e guru fundador  da extinta confraria do coffe shop do  Hotel Colonial.
Navegador nas noites tranquilas e silenciosas da “legendária”, encontrou o Fufu em suas andanças virtuais um verdadeiro tesouro para os que curtem histórias da boêmia sadia que não volta mais . Trata-se do fantástico acervo digitalizado de entrevistas de um dos mais produtivos e cultos  jornalistas brasileiros, o grande chapa Aramis Millarch, cantado em prosa e verso  e que há tempos partiu para o andar de cima – antes do combinado diga-se de passagem. “Ouça a entrevista do Perly! É um sarro”, disse-me o Fufu com aquela empolgação típica dos que estão de bem com a vida e com o sucesso das urnas. E lá fui eu ansioso  para um reencontro que duraria  umas três horas com o velho guru.
Reencontro saudoso e até lacrimoso com  o papo em áudio de uma mesa regada a bom scotch e vodka polonesa exigida ao Aramis  pelo Roberto Requião, ainda sem a liturgia de hoje, no estúdio de gravação. Naquela noite do início dos anos 80 lá estávamos Dante Mendonça, Maí Nascimento, Aroldo Murá, Zanoni  e Requião  entrevistando o Perly sobre as histórias rocambolescas dos primeiros bordéis curitibanos, do Burro Bravo até um tal Frau Paula, que eu nunca soubera que existia, e por aí em diante.
O velho era uma espécie de Decameron ao vivo, misturado com os contos das Mil e uma Noites e adaptados para o ambientes dos trópicos. Os cenários das memórias  se alternavam  do Rio antigo para Curitiba , do pequeno apartamento das coristas, do cafofo  da Barata Ribeiro ao castelo do Moysés Lupion, endereços onde o Perly descansava entre as noitadas  e aventuras no Cassino da Urca e as boites da antiga praça do Lido.
Bem, depois das três horas ouvindo entre outros episódios  como o  velho galã, que em sua mocidade era confundido com James Cagney, conquistou e conheceu biblicamente a Ava Gardner no auge da fama e do esplendo,  migrei para outra “fita” em que o entrevistado era um dos meus ídolos do cinema, o Anselmo Duarte, acompanhado naturalmente pelo seu inseparável amigo de juventude, o Perly, claro.
Lá se foram mais algumas horas bem aproveitadas do meu ócio nada criativo.
Quem idolatra o Anselmo, se acessar o acervo na internet irá saber que o grande cineasta foi batizado como  Bento e que começou a vida artística como dançarino no cassino com o nome artístico de Paco.
E foi no Cassino da Urca que o nosso Anselmo, o Paco apaixonou-se perdidamente pela  partner Lolita e teve como rival ninguém menos que Orson Welles. Um bêbado e um bosta que perdeu fácil para o Anselmo, afirma a voz inconfundível de Perly na entrevista, para delícia do Aramis Millarch. São horas de histórias extraordinárias contadas com humor e um carisma que desafia o tempo.
Anselmo explica como aplicava  no cassino o golpe da ficha de um cruzeiro contra a ficha de platina,  o que eram as garotas fichinhas e como simulou um sequestro para não perder a amante para o rival Welles.
Fala de como iniciou sua amizade com Perly e Ibrahim Sued , todos duríssimos e frequentando o Beco dos Aflitos; conta como começaram juntos a trabalhar para o governo americano como despachantes de cristais de quartzo, material para lunetas e utilizados na Segunda Guerra .
Discorre sobre os seus muitos casamentos com as mulheres mais lindas do Brasil, como Ilka Soares, com quem teve dois filhos; fala dos namoros com as coristas e é corrigido o tempo todo pelo Perly, testemunha ocular da história .
Em um dos trechos da entrevista, o Anselmo Duarte, com aquela voz e o talento  que nos hipnotizou durante décadas nos cinemas, imita o amigo Perly nos seus bordões mais conhecidos: “A LA PUTA  !!! (usado quando ficava impressionado com o que ouvia); IMBECIL !!! (para admoestar o interlocutor – e este eu ouvi muitas vezes); MEU FILHO !!! ( usado para aconselhar – e este eu também ouvi muito) .
E o Anselmo não só interpretou como explicou que o Perly deixara uma legião de seguidores e imitadores  dos seus bordões em Copacabana quando resolveu mudar para Curitiba.
Mas tem muito mais. Tem histórias de Perly com a Luz Del Fuego , do Anselmo com mil mulheres, de cinema brasileiro, uruguaio, argentino e americano.
Enfim, um prato cheio para quem gosta de cinema, venera Anselmo Duarte e quer conhecer e ouvir as histórias serem contadas por quem viveu intensamente uma época de contos de fadas que nunca mais voltará .
Assim agradeço ao meu querido Furiatti pela dica do reencontro e mando um grande beijo de amigo e irmão ao Aramis Millarch, onde estive,  por nos ter legado esses tesouros que graças a generosidade da família, a esposa Marilena e o filho, podemos todos compartilhar .

P.S. Também andei ouvindo no acervo o Vinicius, a Elis, oVinholes e tenho agendado outros reencontros nessas minhas madrugadas onde fecho os olhos e volto  ao grande salão iluminado do Coffe Shop,  acompanahdo agora de  vozes que nunca, nunca  mais sairão da minha memória , do meu afeto e de minhas saudades.

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