por José Maria Correia
Estava eu posto em sossego em uma tarde desatribulada de um dia gris quando recebi um telefonema do Paulo Furiatti ,prefeito da Lapa. Cntou-me o Fufu que havia lido neste blog e curtira muito as reminiscências sobre o velhote Perly , um dos últimos boêmios e guru fundador da extinta confraria do coffe shop do Hotel Colonial.
Navegador nas noites tranquilas e silenciosas da “legendária”, encontrou o Fufu em suas andanças virtuais um verdadeiro tesouro para os que curtem histórias da boêmia sadia que não volta mais . Trata-se do fantástico acervo digitalizado de entrevistas de um dos mais produtivos e cultos jornalistas brasileiros, o grande chapa Aramis Millarch, cantado em prosa e verso e que há tempos partiu para o andar de cima – antes do combinado diga-se de passagem. “Ouça a entrevista do Perly! É um sarro”, disse-me o Fufu com aquela empolgação típica dos que estão de bem com a vida e com o sucesso das urnas. E lá fui eu ansioso para um reencontro que duraria umas três horas com o velho guru.
Reencontro saudoso e até lacrimoso com o papo em áudio de uma mesa regada a bom scotch e vodka polonesa exigida ao Aramis pelo Roberto Requião, ainda sem a liturgia de hoje, no estúdio de gravação. Naquela noite do início dos anos 80 lá estávamos Dante Mendonça, Maí Nascimento, Aroldo Murá, Zanoni e Requião entrevistando o Perly sobre as histórias rocambolescas dos primeiros bordéis curitibanos, do Burro Bravo até um tal Frau Paula, que eu nunca soubera que existia, e por aí em diante.
O velho era uma espécie de Decameron ao vivo, misturado com os contos das Mil e uma Noites e adaptados para o ambientes dos trópicos. Os cenários das memórias se alternavam do Rio antigo para Curitiba , do pequeno apartamento das coristas, do cafofo da Barata Ribeiro ao castelo do Moysés Lupion, endereços onde o Perly descansava entre as noitadas e aventuras no Cassino da Urca e as boites da antiga praça do Lido.
Bem, depois das três horas ouvindo entre outros episódios como o velho galã, que em sua mocidade era confundido com James Cagney, conquistou e conheceu biblicamente a Ava Gardner no auge da fama e do esplendo, migrei para outra “fita” em que o entrevistado era um dos meus ídolos do cinema, o Anselmo Duarte, acompanhado naturalmente pelo seu inseparável amigo de juventude, o Perly, claro.
Lá se foram mais algumas horas bem aproveitadas do meu ócio nada criativo.
Quem idolatra o Anselmo, se acessar o acervo na internet irá saber que o grande cineasta foi batizado como Bento e que começou a vida artística como dançarino no cassino com o nome artístico de Paco.
E foi no Cassino da Urca que o nosso Anselmo, o Paco apaixonou-se perdidamente pela partner Lolita e teve como rival ninguém menos que Orson Welles. Um bêbado e um bosta que perdeu fácil para o Anselmo, afirma a voz inconfundível de Perly na entrevista, para delícia do Aramis Millarch. São horas de histórias extraordinárias contadas com humor e um carisma que desafia o tempo.
Anselmo explica como aplicava no cassino o golpe da ficha de um cruzeiro contra a ficha de platina, o que eram as garotas fichinhas e como simulou um sequestro para não perder a amante para o rival Welles.
Fala de como iniciou sua amizade com Perly e Ibrahim Sued , todos duríssimos e frequentando o Beco dos Aflitos; conta como começaram juntos a trabalhar para o governo americano como despachantes de cristais de quartzo, material para lunetas e utilizados na Segunda Guerra .
Discorre sobre os seus muitos casamentos com as mulheres mais lindas do Brasil, como Ilka Soares, com quem teve dois filhos; fala dos namoros com as coristas e é corrigido o tempo todo pelo Perly, testemunha ocular da história .
Em um dos trechos da entrevista, o Anselmo Duarte, com aquela voz e o talento que nos hipnotizou durante décadas nos cinemas, imita o amigo Perly nos seus bordões mais conhecidos: “A LA PUTA !!! (usado quando ficava impressionado com o que ouvia); IMBECIL !!! (para admoestar o interlocutor – e este eu ouvi muitas vezes); MEU FILHO !!! ( usado para aconselhar – e este eu também ouvi muito) .
E o Anselmo não só interpretou como explicou que o Perly deixara uma legião de seguidores e imitadores dos seus bordões em Copacabana quando resolveu mudar para Curitiba.
Mas tem muito mais. Tem histórias de Perly com a Luz Del Fuego , do Anselmo com mil mulheres, de cinema brasileiro, uruguaio, argentino e americano.
Enfim, um prato cheio para quem gosta de cinema, venera Anselmo Duarte e quer conhecer e ouvir as histórias serem contadas por quem viveu intensamente uma época de contos de fadas que nunca mais voltará .
Assim agradeço ao meu querido Furiatti pela dica do reencontro e mando um grande beijo de amigo e irmão ao Aramis Millarch, onde estive, por nos ter legado esses tesouros que graças a generosidade da família, a esposa Marilena e o filho, podemos todos compartilhar .
P.S. Também andei ouvindo no acervo o Vinicius, a Elis, oVinholes e tenho agendado outros reencontros nessas minhas madrugadas onde fecho os olhos e volto ao grande salão iluminado do Coffe Shop, acompanahdo agora de vozes que nunca, nunca mais sairão da minha memória , do meu afeto e de minhas saudades.