10:23Uma Senhora

   A velha senhora, viúva, tem três filhos.
   O primeiro, tipo malandro, nunca trabalhou sequer um dia. Dependente da mesada, atormenta a mãe sempre por mais um dinheirinho – a fantasiosa viagem para o banho de iluminação nas águas barrentas do Rio Ganges.
   O segundo, o melhor dos filhos até os quarenta, cai de amores por uma fulana qualquer. Esse, que era o provedor da casa e passeava com a mãe no fim de semana, se despede uma noite. E, zerando a conta bancária da velha, no carro da família, lá se foi com a loira fatal. Nunca mais deu notícia.
   A filha, molestada em menina por um vizinho, sai de blusa branca e risonha, às oito da manhã, para a faculdade. Acena, mocinha em flor, para a mãe na janela. Foia última ocasião que a viu.
   Por vezes, a cada longos dois ou três anos, o telefone toca. A senhora atende.
   – Alô?
   No outro lado apenas o silêncio e a respiração abafada.
   – Alô? Quem fala? É a…?
   Sem resposta.
   Só um clique.
   E agora? Dali a quantos anos a próxima vez?
   – Que filha desgracida!
   Olha pela janela.
   – Ai, mocinha mais ingrata.
   Olha pela janela ao longe.
   – Minha pobre menina…
   E olha pela janela uma blusinha branca ao longe.

de Dalton Trevisan em Violetas e Pavões

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