22:10HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Câncer

Não teve medo porque durante muito tempo assoprou de perto o rosto da morte, provocando-a, provavelmente pedindo para ser levado, ceifado, desaparecido da face da terra como se fosse um entulho incômodo. Um exame alertou de que poderia ter a doença que matou a mãe, que matou amigos, que acabara de matar o ator famoso que um dia apareceu como fantasma num filme. Ouviu histórias de pavor, de noites sem dormir, de crises depressivas, da possibilidade de ficar impotente. Fez piada para o médico que perguntou-lhe por que demorara tanto para chegar ali. Explicou então a história das duas décadas brincando de roleta russa nas noites frias da cidade. Se fosse mais um escolhido pelos bichos, extirparia, queimaria, atiraria com cápsulas atômicas, enfim, as armas disponíveis. Estaria lutando pela vida depois de ter lutado muito tempo contra ela. Dezesseis espetadas lhe tiraram parte do corpo. O médico sorriu quando ele acordou. Ele então lembrou que tinha esquecido o escapulário em cima de uma cômoda. Mas ficou tranquilo, porque lembrou da letra da música e do corpo fechado pelos sete lados.

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