por Osman Gadoso

Capricórnio

A mãe dizia que ele tinha “cabo de vassoura no espinhaço”. Tinha mais que essa dificuldade em requebrar sob qualquer música. Tinha todos os medos do mundo. Desde criança. Era como um fantasma interno a assustá-lo nas mais simples coisas. Como, por exemplo, a barreira que se erguia para subir um degrau e entrar na loja da rua principal do bairro para ver as novidades. Passava até longe da porta – e nem olhava. O coração apertava e subia-lhe à boca. Mais um pouco seria capaz de desmaiar na rua. Apaixonou-se por várias mulheres, desde os quatro anos. Começou com professoras, passou por freiras, enlouqueceu por meninas de outras turmas no colégio católico. Nunca chegou perto delas. Nem ali, nem no ginásio e muito menos no colegial. Era o medo. De que. Não sabia, mas canalizava tudo nessa coisa chamada beijo. Como faria aquilo? Era um mistério tão grande e avassalador quanto o início do Universo. Se trancava no quarto. Para ler e ouvir música. Mas dançar, nunca! Como bailar ao som das baladinhas românticas com um menina nos braços? Um dia, pimba! começou a namorar. Na segunda, aconteceu. Tudo. Mas ele recorda mais o dia em que, na sala do sobrado, ao esperar a moça que se trocava lá em cima, viu um disco ao lado da vitrola. Tirou a bolacha de vinil, colocou e o contato da agulha com o sulco deflagrou. It’s Only Rock ‘n’ Roll. Foi arrastado por uma força que também não sabia de onde vinha. Mas que lhe fazia quebrar o cabo de vassoura e requebrar feito alucinado pela sala. Dançou o disco inteiro. Nunca mais parou. Muitos anos mais tarde dançou a mesma música com o som ao vivo dos Stones. Nas três vezes que eles aqui vieram para fazer shows. Sempre lembra da primeira vez. Naquela sala de subúrbio. Quando começava a descobrir que a vida tem mistérios e prazeres.