18:33HORÓSCOPO

por Osman Gadoso

Peixes

Aquela esquina está esquecida do mundo. O bairro é nobre, do outro lado da calçada há uma mansão que só os tijolos utilizados no muro cumpririam parte do programa federal para construção de habitações populares, mas aquela calçada está abandonada por todos. Talvez porque ali, só ali, ela é mais larga e tem um canteiro largo onde a grama deveria estar bem aparada. Mas não, ela, a calçada, teve azar de estar localizada bem ao lado da imensa construção onde antes abrigava uma indústria de médio porte. Hoje, quase abandonada, tudo é corroído pelo tempo e os pichadores trataram de ressaltar isso nas fachadas. Então a calçada ficou sem pai, depois sem mãe, sem filhos, sem irmãos, sem ninguém. Porque também naquela rua de casas médias e boas, as pessoas passaram a evitá-la, passaram a não dobrar a esquina pelo canto da paredce e sim pela rua, pelo asfalto. Para evitar aquele trecho que foi ficando estranho, apesar de ter árvores e arbustos. E como ela estava abandonada, começaram a jogar ali o resto de jardins bem tratados e, depois, lixo. Isso mesmo! Lixo orgânico, inorgânico, atômico, eletrônico. E as pessoas passaram a evitar mais aquela calçada da esquina. E ninguém reclamou, fez passeata, ligou para os departamentos competentes, como se aquele trecho de calçada tivesse nascido com alguma maldição, ainda não batizada. Hoje havia uma capa plástica enorme naquela calçada. Era uma mortalha. Só podia ser uma mortalha. Ele passou ali pelo canto em que ninguém passava e pensou nisso. Ele que sempre passou por aquele canto porque aquele trecho de calçada lhe dizia alguma coisa. Achava que tinha a ver com sua estranheza diante da vida. Por isso viu o plástico e pensou na mortalha. E achou que, morrendo, a calçada poderia ressuscitar em breve. Sorriu então carregando o saco plástico com cerveja, suco de manga, água de côco e coca-cola. Estava ali de passagem. Perguntou o nome das ruas que formavam aquela esquina. Soube que uma é Coronel Feliciano Ribeiro e que a da calçada é Lourenço Mourão. Soube então que estava no Seminário. Pensou nos padres, em oração, num raio de luz varando nuvens e iluminando aquele canto bendito – para ele.

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