22:34Eternamente entre o terror da guerra e o horror da paz

Ele a segurava como se fosse um presente. Dado por amor. Algo sereno e pequeno. Insuportavelmente precioso.

Mas quando fazia amor ele se sentia ofendido pelos olhos dela. Que se comportavam como se pertencessem a outra pessoa. Alguém que observa. Olhando o mar por uma janela. Olhando um barco no rio. Ou um transeunte de chapéu na neblina.

Ele ficava exasperado porque não sabia o que aquele olhar queria dizer. Colocava-o em algum ponto entre indiferença e desespero. Ele não sabia que em alguns lugares, como o país de onde vinha Rahel, vários tipos de desespero disputam a primazia. E que o desespero pessoal nunca tinha fim. Que algo aconcentia quando o torvelinho pessoal se detinha no altar de beira de estrada daquele vasto, violento, envolvente, mobilizador, ridículo, maluco, impossível, torvelinho público que era a sua nação. Esse Grande Deus rugia como um vento quente, e exigia obediência. Então o Pequeno Deus (íntimo e contido, particular e limitado) se afastava, cauterizado, rindo entorpecido da própria temeridade. Habituado à confirmação de sua própria insignificância, ele se tornava flexível e realmente indiferente. Nada importava muito. Quase nada importava. E quanto menos importava, menos importava. Nada era suficientemente importante. Porque Coisas Piores tinham acontecido. No país de onde ela vinha, e que estava eternamente entre o terror da guerra e o horror da paz, Coisas Piores estavam sempre acontecendo.

Então o Pequeno Deus ria um riso oco e escapava alegremente. Como um menino rico de shorts. Assobiava e chutava pedras. A fonte de sua frágil arrogância era a relativa pequenez de seu infortúnio. Ele entrava nos olhos das pessoas e se transformava numa expressão exasperante.

de Arundhati Roy em O deus das pequenas coisas

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