19:35Horóscopo

por Osman Gadoso

Touro

Tudo que você passou, viveu, sentiu, está armazenado aí dentro – principalmente as coisas que não lembra mais. De repente, um dia, você vai parar naquele bairro da periferia, você que agora mora num lugar “civilizado”, limpo, com água quente e geladeira cheia, roupa lavada e cheirosa, telão de plasma na parede, dentista pronto a lhe branquear a laser seus dentes. Mas, enfim, você cai lá no Guarituba, ao lado da Estrada do Ribeira, e a vila de sua infância e adolescência explode de dentro pra fora e se encaixa naquilo que você está vendo, nas pessoas mal ajambradas, no cheiro do esgoto, na poeira, no Monza da mulher que se acha porque tem aquela máquina bordô, no comércio de pequenas portas e muita bugiganga, na menina que desfila como Gisele e tem as canelas finas, no pão doce da padaria, na xícara rachada do cafezinho, no ônibus lotado e o tarado a encoxar a mocinha tímida, no dentista que pode ser um protético e arranca todos os dentes para faturar a dentadura, no boticão enferrujado, no parquinho de diversões onde o chapéu mexicano é roleta russa, na cabeleireira com secador parecendo coisa de astronauta, na fofoca sendo trançada de fora-a-fora na calçada. Lhe vem aquela canção do Roberto que fez seu coração apertar lá no passado – e continua agora. Sempre, quando eu venho aqui, só escuto de você, frases tão vazias que procuram dizer, que já não existe mais… O que é mesmo que você foi fazer lá? Encontrar-se. Não esquecer-se. Pois assim é. Ainda bem.

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.