7:40É abusivo Cristovam Buarque dizer que esquerda elegeu Bolsonaro

por Mario Sergio Conti

 No livro ‘Por Que Falhamos – O Brasil de 1992 a 2018’, senador acerta contas com a política democrata e progressista

Cristovam Buarque é um homem honrado. Ao ver uma foto de Lula com crianças em Toritama, Pernambuco, ele foi até lá. Quis conhecer aquelas meninas e meninos descalços e sem camisa, apartados do presidente por uma cerca de arame farpado. Um ano antes, em 2004, Lula o demitira, pelo telefone, do Ministério da Educação.

Visitou as crianças e falou com pais e professoras. Esteve na escola onde fazia um calor dos diabos. Viu o chão de terra batida, as carteiras desconfortáveis, a poeira, a pedagogia ineficaz. Escreveu uma carta a Lula contando o que vira.

Disse ao presidente que ele “não era culpado da tragédia que observei, mas seria se, uma década depois, a situação não melhorasse”. Cristovam, que assumira sua cadeira no Senado, deu-lhe também ideias para melhorar a educação em Toritama e em todo o Brasil.

Voltou lá dez anos depois, em 2015. Nenhuma criança que conhecera terminou a escola. Ticiana teve um filho aos 16 anos. Cambiteiro, vigilante, foi assassinado aos 19. Rubinho, que não aprendeu a ler, virou pai aos 17. Diego foi esfaqueado, fugiu do hospital, sumiu. A escola seguia péssima.

A narrativa das visitas a crianças e jovens pobres de dar dó rende as melhores páginas de “Por Que Falhamos – O Brasil de 1992 a 2018” (Tema Editorial, 89 págs.), o novo livro de Cristovam Buarque.

Elas servem para lembrar o objetivo clássico da política: harmonizar a vida em sociedade. E, a partir da Revolução Francesa: agir para que os cidadãos sejam livres, iguais e fraternos.

Como a política nacional não gerou nada disso —e sim Toritama—, os governos de Itamar a Dilma desaguaram num bonapartismo bestial que esfola os pobres para enriquecer os ricos. Cristovam faz o balanço de um fracasso: o dos políticos “democratas e progressistas”, entre os quais se inclui.

O título do livro em inglês será outro, “Como a Esquerda Elegeu a Direita no Brasil”. Ocorre que Cristovam votou em Aécio (de direita) para presidente, pela destituição de Dilma (de centro-esquerda) e apoiou Temer (de direita). Esquerda quem, cara-pálida?

Mas fiquemos no livro em português: o PSDB e o PT falharam na construção de uma república moderna. Analisar a debacle é imperativo porque a ausência de autocrítica foi um elemento constitutivo dela.

Daí a dizer que eles “elegeram” Bolsonaro é abusivo. É não levar em conta a extrema direita. É esconder que o empresariado e seus prepostos a apoiaram na eleição e hoje a sustentam. Exagero? Eis o que dizem dois líderes da classe sobre o governo.

Abílio Diniz: “Minha avaliação é altamente positiva” (Folha, 12 de janeiro). Jorge Paulo Lemann: “O rumo do Paulo Guedes está correto. Poderia ter menos agito na parte política” (O Globo, 16 de dezembro.). Para eles, o que importa é ganhar dinheiro. O seu. Com ou sem “agito”.

“Por Que Falhamos” se recusa a considerar essas forças político-econômicas porque não tem método. Sem hierarquia, cada um dos 24 capítulos do livro enuncia um erro.

O que liga os erros entre si são as idiossincrasias do autor.

Elas vão da inconsequência à má-fé. Ele reclama duas vezes ter sido o verdadeiro criador do Bolsa Família, ao qual teria batizado de Bolsa Escola. Ninguém nunca defendeu isso, só Cristovam.

O título de um capítulo é “Adotamos o culto à personalidade”. Ora, o termo designa uma política específica do stalinismo. Não houve nada de parecido aqui. Se a intenção foi aproximar Lula de Stálin, o fez de maneira insidiosa, sem sequer citar o nome de um e de outro.

Dedicado ao período entre 1992 e 2018, o livro desdenha o que se passou nesses anos, a própria história.

Não se trata de prescindir da ordem cronológica. Mas de embaralhar os fatos, confundindo os definidores com os acessórios, para se concluir o que se deseja.

Fato definidor foi a emenda de Fernando Henrique que permitiu a sua reeleição. O personalismo em benefício próprio do príncipe dos sociólogos, digna de caudilhos bigodudos e de sombreiro, esculhambou a própria noção de república.

Fato definidor foi o planeta. Não basta dar a barretada de praxe à venda de matérias-primas brasileiras à China. Ou de repetir “sustentável” feito papagaio. Mas de investigar se o Brasil pode de fato ser autossustentável.

Fatos definidores foram os protestos de 2013 e a reação do PT a eles. A primeira coisa que Lula e Dilma fizeram foi procurar o marqueteiro João Santana, um corrupto confesso.

Cristovam não diz uma palavra sobre os três fatos. Não basta ser um homem honrado para escrever um livro útil.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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3 ideias sobre “É abusivo Cristovam Buarque dizer que esquerda elegeu Bolsonaro

  1. SERGIO SILVESTRE

    Puxa vida,Cristovan Buarque ao invés de enveredar pela politica deveria ser um abnegado lutador nas caatingas secas do nordeste,experimentar a mesma agua suja e comer palma cozida,mas se agasalhou no senado com suas cachoeiras de mel,participou do golpe que acolheu essa caterva de nazistas no governo atual e falou para o deserto nessa ultima década,

  2. Zé loco

    O nordeste é refém da elite e seus coronéis. Povo cativo e doutrinado para servir aos interesses da oligarquia nordestina. Quando nasce, o registro é o título eleitoral, e tem a idade aumentada pois o sol dá aparência de mais idade, e o voto é a certeza de uma cesta básica, em tempos difíceis.
    É um outro Brasil, por acaso, ou pensado as diferenças são gritantes. Mas “Deus” quis assim, de qual deus estariam falando

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