7:23Manifesto da dignidade magistocrática

por Conrado Hübner Mendes, na FSP

A eurotrip de juízes e advogados viola a lei, mas quer civilizar o país

Depois de tudo que fizemos pela democracia e pelo combate à bestialidade autoritária, estamos cansados. Cansados com a falta de gratidão e com o excesso de vigilância sobre nossos hábitos anti-institucionais. Cansados com o sarcasmo. Estamos irritados com o excesso de perguntas e de voyeurismo. Irritados com o assédio à nossa vida privada. Não somos servidores públicos. Por isso, vimos nos manifestar.

Não ofendam nossa honorabilidade. Nossa juspornografia é limpa e asseada. O Febejapá (Festival de Barbaridades Judiciais que Assolam o País), carinhosa homenagem a Stanislaw Ponte Preta, é de nossas tradições mais distintas. O pornográfico está nos olhos de quem vê, o bárbaro na pele de quem sente. Perdoem a nossa nudez, mas nossa dignidade está acima do seu moralismo.

Respeitem nossas fugas da lei e do país. Respeitem nossos quinquênios e remunerações ilegais. Aprendemos a chamar de indenizatório o que é remuneratório. Assim furamos o teto e ainda não pagamos imposto. Constitucionalizamos a sinecura. Aprendam vocês também essa arte da alquimia magistocrática, de transformar chumbo em ouro, ilegal em legal.

Respeitem nossos modos de ganhar dinheiro extra na forma de patrocínio e custeio de viagem, de honorários por palestra em banco, ou de honorários pagos a nossos parentes advogados por casos que nós mesmos julgamos. Não somos sujeitos a conflito de interesse ou suspeição. Nossa isenção está acima de qualquer suspeita. Nossa falta de noção e excesso de apetite nos definem como magistocráticos.

Respeitem nossas prerrogativas assim como nós respeitamos as prerrogativas da advocacia que nos paga visita à Europa. Essa advocacia se esmera em alimentar nosso caro estilo de vida. Esse dízimo lobístico não tem preço.

Respeitem nosso direito de chamar de acadêmico um evento de lobby politico-empresarial. Respeitem nossa leitura sobre o Brasil. Queremos pensar o Brasil bem longe do Brasil. Em Londres, em Madri, em Nova York.

Respeitem nosso gosto de viajar pago por empresas que julgamos no dia a dia. Só sabemos julgar de modo justo e imparcial. Podem ser empresas de tabaco, de serviços financeiros, de agronegócio, de construção civil, de ensino. Não discriminamos nossos financiadores, nem julgamos. Negociamos. Em mesas de conciliação entre grileiros e garimpeiros, sem indígenas. Em mesas de jantar com patrões, sem empregados.

 

Respeitem a integridade de nossa palavra. Se nos dizemos honestos, somos. Se afirmamos não haver nada de errado, não há. Se atestamos a legalidade, quem pode nos contradizer? Deus operou o “fiat lux”. Nós operamos o “fiat lex”.

Respeitem nossa alergia à transparência. Se o evento é fechado, não abra a porta. Se os patrocinadores não querem se expor, não viole seu direito à privacidade. Se até mesmo a OAB patrocina, presuma o valor republicano do encontro além-mar.

Temos o maior salário do Estado brasileiro, sem contar os extras não contabilizados. Mas não somos viciados em Estado. Combatemos o preconceito contra a iniciativa privada. E você aí, vai ficar esperando ajuda do sindicato?

Respeitem nossa alergia a direitos trabalhistas e à Justiça do T rabalho. Garantimos a liberdade de cada um para empreender com a própria sorte e esforço individual. No dia 1º de maio de 2024, exercemos nosso direito de trabalhar em solo estrangeiro. Entramos na era do trabalho remoto. Vai ficar parado na província?

Nossa promiscuidade parece afetar a autoridade do STF para proteger liberdades constitucionais sob a mira de extremistas. Mas confiamos nos ministros que, por apego moralista à ética judicial e à lei, recusaram convite. Aos ministros que ficaram em casa, nosso afetuoso agradecimento. Próxima semana estamos de volta. Aquele abraço

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.