7:13Tem horas que só a arte

por Giovana Madalosso, na FSP

Expliquei para a minha filha o significado de ‘exuberância’ sem usar uma palavra, visitando uma exposição

Na da sala de jantar onde o casamento está morto e o assunto está morto, só a arte para rasgar na parede uma paisagem a óleo e abrir um possível horizonte.

Nasci numa colônia italiana onde as mulheres eram criadas para serem donas de casa. Então, a literatura abriu a porta e disse: vamos.

Ela tinha só metade dos dentes, cabelos ralos, a pele toda enrugada de carpir ao sol, mas quando a rádio tocava “Candle in the Wind” era a própria princesa Diana.

Conheço um cara que nunca tinha entrado num museu, só o fez porque o dia estava frio e a entrada era franca. Sentou-se num banco. Ficou ali esfregando as mãos e olhando para a pintura à sua frente. Sem saber o porquê, minutos depois, seu peito sacudia e uma lágrima descia pelo seu rosto.

Vivo no Brasil desde o dia em que nasci e até hoje não sei explicar o que é ser brasileira, mas entendo perfeitamente o que isso significa quando escuto Caetano.

Esperar nunca mais foi o mesmo depois de Godot.

Diferenças geracionais e ideológicas posicionaram meu pai no polo Norte e eu no polo Sul. Quando vamos juntos ao teatro subitamente habitamos os mesmos meridianos.

Repare: quando toca uma música, um bebê de dois anos não marcha, dança.

Em 1966, um rapaz chamado John visitou uma exposição cheia de escadas. Ele subiu por uma delas. No teto, havia uma lupa, presa por uma cordinha. John olhou pela lupa e viu escrito lá no alto a palavra: YES. Ali nascia seu amor pela autora da obra, Yoko Ono.

Sou ateia mas acredito em Deus quando leio Fernando Pessoa.

Ouviu desde pequeno que homem não chora e anotou a lição. Não derrubou uma lágrima no enterro do amigo. Saindo de lá, perdido e desolado, entrou numa sala de cinema. Meia hora depois, o homem ria. Chorava de rir. E chorando de rir ria toda a sua tristeza.

Na noite de 24 de abril de 1974, uma rádio portuguesa soltaria a primeira mensagem, ainda cifrada, que anunciaria a derrubada de quase 50 anos de ditadura no país. Essa mensagem foi a música “E Depois do Adeus“.

Abdias do Nascimento lutou contra o racismo com uma flecha desenhada à tinta. Essa flecha já atravessou milhões de pessoas.

Expliquei para a minha filha o significado de “exuberância” sem usar uma palavra, visitando uma exposição.

O general cantava “Cálice” pensando que Chico Buarque estava coberto de razão: é preciso maneirar na bebida.

Em 1977, uma nave foi lançada pela Nasa ao espaço para, com sorte, ser encontrada por alienígenas. Dentro da nave, um disco dourado busca explicar quem somos nós. Nesse disco há músicas folclóricas. Composições de Bach, Mozart, Stravinsky, Beethoven, Chuck Berry. Sons de riso e batidas do coração.

Se um dia o ser humano se extinguir quem contará quem fomos não serão as planilhas.

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