15:56Dedos de prosa

por Nilson Monteiro

Quando, minhas mãos?
Quando os nós desatando os nódulos, deixando-os livres, moles, corpos de bailarinos? Quando os tecidos morenos se abrindo em cortinas, cordatos, amáveis, ágeis ou lerdos, leves? Quando os tendões se esticando feito feixes de luz, camisas abertas ao vento, sem travas na língua? Quando a amargura esquecida nas lembranças arquivadas?

Quando as pregas dos dedos feito dobras de acordeom, em movimentos sinfônicos, melodia? Quando o fim de artrite, artrose, fibromialgia, gota, reumatismo, casulos de rugas, calos no cérebro dos nervos? Quando as cordas de sangue de suas palmas escorridas em enxurrada? Quando o amor cravado nas unhas e cutículas, esparramado em lascas de possibilidades?

Quando minhas mãos de asas abertas, borboletas sem censura? Quando minhas mãos, dedos de beija-flor tecendo ninhos em seus cabelos? Quando minhas mãos, pingos de mel lambendo a maciez de suas matas? Quando minhas mãos, línguas embriagadas passeando suas grutas? Quando minhas mãos, lâminas em fogo esculpindo os dias? Quando minhas mãos, nacos de grafite gelado escorrendo sobre o telhado? Quando minhas mãos, notas macabras musicando a noite?

Quando minhas mãos, atarantadas esganando a brenha. Quando minhas mãos, âncoras de carinho tateando a bruma? Quando minhas mãos, grãos de centeio semeando o léxico? Quando minhas mãos, pingos dengosos de vela derretendo a mentira? Quando minhas mãos, crinas de cavalo chamejando a verdade?
Quando minhas mãos, muleta rubra ensanguentada na fúria do miúra?

Quando minhas mãos, plenas de brilho pregando a paz? Quando minhas mãos, beligerantes plantando a guerra? Quando minhas mãos, perfume de cravos borrifando a demência? Quando minhas mãos, soltas do corte das algemas rindo fagueiras? Quando minhas mãos, solteiras da comunhão com o medo?

Quando minhas mãos, lavadas das lavas dos remédios? Quando minhas mãos, magras e espalhadas, gravetos sem ranger metálico? Quando minhas mãos, sem sentimento de culpa, sem picadas de escorpião, sem o trovejar de dores, sem o esgrimir de agulhas, sem facas entre os dedos, sem tormentas sob a pele, sem a cegueira do ereto, sem a lucidez do torto, endiabradas no risco, na forma, na palavra, na defesa, no ataque?

Quando minhas mãos, dutos de segredos? Quando minhas mãos, mistérios da alma? Quando minhas mãos de horizontes atados aos punhos, mas libertas aos sonhos? Quando minhas mãos, galhos de nervos, veias, ligamentos, ossos, cicatrizes, pelos, calos, unhas, dedos, músculos, gordura, linhas, pedaços de carne tricotando o futuro? Quando minhas mãos, bravias e mansas serenando no balanço do cais?

Quando minhas mãos simples, trabalhadoras, finas, molecas, bandidas, atrevidas, gratas, septenárias, carinhosas, suadas, nervosas, neuróticas, laboriosas, ébrias, literatas, ignorantes, mansas, brutas, indecentes, birutas, limpas, imundas, corajosas, cansadas, calosas, curtidas, putas, santas, pacíficas, divinas, demoníacas, vibrantes, ordeiras, masculinas, femininas, mudas, distraídas, musicais, matemáticas, covardes, religiosas, ímpias, devotas, sacras, ateias, queridas, desprezadas, amantes, decrépitas, jovens, professorais, aprendizes, desastrosas, secas, enrugadas, isentas, culpadas, fiéis, infiéis, barulhentas, substantivas, objetivas, prosaicas, teimosas, lúdicas, sádicas, dogmáticas, sérias, distintas, plebeias, ricas, miseráveis, intuitivas, sonhadoras, agarradas, saciadas, grudadas aos braços que lhes foram dados para viver, vacinadas, quando minhas mãos estarão imunes da dor de serem rotuladas, esse mar de adjetivos a escorregar para a praia de areias serenas?

Mãos, simples mãos.

Quando, minhas mãos silentes em oração estarão aquietadas?

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