por José Maria Correia
Dr. Ulysses Guimarães era um profeta. Tudo que o sábio velho previa se confirmou – e entre muitas previsões disse em 1988 sobre o Congresso e as bancadas: “ Se acham que a composição do atual Congresso é ruim, esperem o próximo, será pior e pior …”
Lula também falava sobre os trezentos picaretas, que virou até letra de música composta por Herbert Viana, sucesso dos Paralamas do Sucesso: “ Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou”
Agora, confirmados os vaticínios , estamos vivendo o auge da sordidez parlamentar que supera episódios como “ os anões do orçamento “ e situações folclóricas de incontáveis cuecas repletas de propinas. Com as exceções respeitáveis de uma centena de parlamentares ou de um quarto do total, que são os que resistem à rapinagem e que só confirmam a trágica regra.
É o momento que vivemos , o de arremedo de democracia.
E é trágico mesmo, se compararmos com um congresso que nos legou a carta cidadã, a Constituição de 1988.
Que teve Mario Covas, Tancredo Neves, Teotônio Vilela , Itamar Franco, Alencar Furtado, Mauricio Fruet e José Richa entre outros tantos notáveis . E mulheres como Benedita, Marina e Erundina.
Citando somente as antigas gerações que serviram de exemplo e referências para os mais jovens que seguem na luta.
Mas também sabemos que o único remédio para a má democracia é a melhor democracia .
Eleições limpas, sem corrupção, compras de votos , uso de religiões, fakes news e escolhas caricatas.
Escolhas corretas , informações e muita fiscalização dos órgãos responsáveis , da justiça eleitoral, da sociedade organizada e da imprensa.
Para não nos deixarmos seduzir pelo discurso sedutor do falso moralismo e do autoritarismo com o fechamento do congresso e das instituições com um cabo e um soldado.
E o fenômeno negativo como subproduto da democracia não ocorre somente no Brasil.
Ocorre também nos parlamentos do velho mundo, na Europa com escândalos seguidos e tantas bizarrices .
E ainda nos Estados Unidos onde o comando é das corporações econômicas , do Tea Party e da indústria da guerra .
O ministro Ruy Costa teve coragem de dizer o que todos pensam sobre Brasília como sede dos três poderes. De fato “ é uma ilha da fantasia” no pior sentido.
Somente errou ao não distinguir a cidade e o povo trabalhador dos maus congressistas e políticos venais.
Entendedores entenderão e entenderam.
Juscelino foi um grande estadista ao ter a coragem de criar Brasília.
Um fenômeno mundial que reuniu gênios, engenheiros , professores arquitetos , urbanistas e paisagistas admirados no mundo todo.
Lúcio Costa, Niemeyer, Burle Marx .
Brasília é um esplendor e quase um delírio dos trópicos , como um sonho no cerrado , o da inexplicável profecia documentada do Santo Dom Bosco em 1883 com a localização exata da cidade que surgiria quase um século depois .
Hoje Brasília deslumbra com suas universidades, teatros , igrejas, centros culturais ,hospitais de ponta , enormes parques e áreas de lazer.
Então faço um modesto contraponto ao corajoso ministro. O problema não é somente Brasília estar lá , o problema é QUEM está lá.
Mas o ministro tem plena razão ao afirmar que o distanciamento geográfico é um problema, pois isola e blinda os congressistas da proximidade da população, das manifestações e da integração social.
O notável sábio Ulysses recomendava – “É preciso ouvir o clamor das ruas”
Hoje a presença dos congressistas é cada vez menor nos plenários e cada vez maior nos aeroportos .
Nos aviões de carreira e nos jatinhos.
Um vai e vem que não pode ser acompanhado pelos eleitores comuns impedidos até pelo absurdo preço das passagens aéreas, mais caras que uma viagem para Miami e em alguns casos até para Portugal.
Complicado mesmo.
E é evidente e insofismável que um congresso localizado em uma capital como São Paulo com seus doze milhões de habitantes aproximaria governantes e governados.
Mas agora já não há mais essa possibilidade por todas as razões geopolíticas e a economia da região fortemente dependente da população vinculada à existência das repartições públicas e das atividades no plano piloto.
E por toda a incalculável despesa que geraria essa gigantesca mudança estrutural.
Que fazer?
A clássica pergunta sempre surge e não pode ser respondida como se fosse uma receita de bolo.
Daquelas que o jornal Estado de São Paulo publicava na primeira página como ironia substituindo as matérias censuradas pela ditadura militar.
Só a formação política , uma mídia igualitária, o debate público, a regulamentação das redes sociais e a contenção do abuso de pode econômico nas eleições poderá avançar nesse sentido.
Mas esse é um desafio cuja longa resposta pode ser substituída pelo verso do poeta Antônio Machado sobre os mistérios e dificuldades de se achar os caminhos :
“ Caminante , Caminante
No hay camino…
Camino se hace al
Andar …,”
Que diria meu ídolo Dom Quixote de La Mancha, senão :
“ já sinto as esquálidas costelas do Rocinante a me fustigar as ilhargas “