6:45Ataque a Lei das Estatais revela desdém por regras

Editorial do jornal O Globo

Antes mesmo da posse, novo governo demonstra estar disposto a tudo para satisfazer à vontade de Lula

Luiz Inácio Lula da Silva nem tomou posse, mas já dá sinais de que exigirá vigilância constante. A aprovação de mudanças na Lei das Estatais pela Câmara na terça-feira vai além do casuísmo. Revela o desprezo do novo governo por regras institucionais que contradigam a vontade de Lula. Nada muito diferente de Jair Bolsonaro.

O presidente eleito quer indicar Aloizio Mercadante à presidência do BNDES e o senador Jean Paul Prates (PT-RN) ao comando da Petrobras, mas tem pela frente uma barreira difícil de transpor. A Lei das Estatais prevê uma quarentena para quem tenha participado de “estruturação e realização de campanha eleitoral” nos 36 meses anteriores e veda titulares de mandato no Poder Legislativo. Mercadante não foi mero figurante ao lado de Lula. Trabalhou como coordenador do plano de governo. Prates bate ponto no Senado.

Diante da impossibilidade de fazer indicações sem ferir a lei, decidiu-se então mandar a lei às favas. A pauta agrada a parlamentares ávidos por ocupar espaços nas estatais. Já tinha havido pressão por mudanças. A medida agora segue para avaliação dos senadores, de quem se espera juízo para derrubá-la.

A Lei de Responsabilidade das Estatais, sancionada no governo Temer, surgiu com um olho no passado e outro no futuro. Era uma resposta aos escândalos de corrupção do PT e uma tentativa de impor regras mais republicanas. Se o Senado não derrubar a mudança, estará de novo aberta a porteira para indicações políticas, além de um precedente para o uso do patrimônio público em benefício de aliados.

Não bastasse o impedimento legal, Mercadante é péssima escolha para presidir o BNDES. Isso ficou evidente no discurso em que Lula anunciou seu nome. Ele disse que, sob Mercadante, economista de ideias desenvolvimentistas, o Brasil voltará a se industrializar. Também afirmou que acabaria com as privatizações. A primeira afirmação é uma quimera, a segunda um retrocesso absurdo.

A desindustrialização é uma tendência global. Mesmo nos poucos países que têm mantido constante a participação da indústria no PIB, o emprego no setor cai, em razão do avanço tecnológico. Sonhar com a recuperação da indústria brasileira com a ajuda do BNDES é certeza de jogar dinheiro fora, como tantas vezes já se fez. Melhor seria preparar o país para aproveitar as oportunidades criadas pela disputa comercial entre China e Estados Unidos, com maior abertura do mercado e fechamento de indústrias zumbis mantidas graças a proteções e incentivos.

O fim das privatizações é outro delírio frequente entre petistas. Não há como um país carente de capital alavancar investimentos em infraestrutura sem o setor privado. Privatizações — de portos, aeroportos, estatais, telefônicas, correios, bancos etc. — são uma solução, não um problema. É preciso acelerá-las, já que os investimentos públicos, com toda a ajuda do BNDES que se possa imaginar, jamais terão a pujança do setor privado.

Todos esses equívocos espalhados pelo governo só aumentarão o trabalho do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em seus primeiros pronunciamentos, ele acertou ao fazer defesa enfática do controle das contas públicas e ao indicar para seu secretariado nomes com competência técnica. Mas, para recolocar a economia brasileira no trilho, Haddad já começará tendo de enfrentar fogo amigo dentro do governo — até do próprio Lula.

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3 ideias sobre “Ataque a Lei das Estatais revela desdém por regras

  1. Jose.

    E parece que tem um jabuti no meio disso, parece que foi aprovado um aumento que quadruplica o valor gasto em publicidade.
    Juca Chaves sendo seguido a risca: “A imprensa é muito séria, se você pagar eles até publicam a verdade”.

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